07 maio 2007

Politicamente falando, sou uma besta

(nota prévia: este post é GRANDE. Mas como não vou tar ao pé do computador até meio da tarde, mais ou menos, têm mais que tempo de o ler todo)

Sempre me intriguei sobre as razões que fazem uma pessoa definir-se politicamente como de esquerda, de direita ou de centro. Nunca tive curiosidade contudo para investigar as razões que fazem uma pessoa ser de extrema esquerda ou de extrema direita, de certeza que uns pais ausentes, fraca popularidade junto do sexo oposto ou um nariz defeituoso estão entre as causas mais comuns.

Mas o alinhamento moderado à esquerda ou à direita sempre me intrigou. Não é uma coisa genética como a simpatia clubística em que filho de lampião será lampião e filho de lagarto será lagarto, pelo menos na maioria dos casos (E escusam de encher a caixa de comentários a dizer "ah, e tal, eu sou lampião mas o meu pai é lagarto" que da minha parte só ouvirão os parabéns, sem mais argumentações. Se o caso for ao contrário provavelmente apago o comentário e mai nada. E se for para dizerem que são tripeiros sou capaz de apagar o comentário, descobrir o vosso IP, encontrar maneira de encher o vosso disco com imagens porno com crianças e denunciar-vos à PJ). Não se tratando de uma questão genética, será uma questão ambiental? Também me parece que os argumentos ambientais são fraquitos. Porque há gente de direita nascida e criada em meios de esquerda e gente de esquerda nascida e criada em berços de direita (gostaram da forma discreta como distingo entre "meio" e "berço"? eu sou assim, uso subterfúgios verbais para condicionar a opinião dos leitores à medida que o texto avança; em suma, sou um gajo fodido) .

Ora, se não é ambiental e não é genético, o que será? Estava embrenhado em pensamentos sobre a origem deste problema quando decidi que o melhor era acabar com a garrafa de tequila que tenho em casa (isto foi anteontem; a ressaca já passou, obrigado por se preocuparem). Uns quantos shots depois descobri que não tenho qualquer hipótese de encontrar a causa e que aceitar uma teoria em detrimento da outra é mais ou menos uma questão de fé, como acreditar em ovnis ou na licenciatura do Sócrates.

Mas descobri que consigo pelo menos perceber qual a razão do MEU alinhamento, neste caso à esquerda. Sempre me considerei um gajo de esquerda razoavelmente moderado e portanto enquadro-me nos casos cujas causas tentava perceber. E quando me perguntavam porque era eu de esquerda, sendo herdeiro de um grande império económico e de um título de nobreza respondi "sei lá! cala-te lá com essa merda e vamos atirar ovos podres aos operários da construção que moram naqueles contentores" e depois ia velejar.

Ora bem, porque é que eu sou um gajo de esquerda e hei-de votar sempre à esquerda, dê por onde der, mesmo que o candidato de esquerda defenda no seu programa eleitoral vender o distrito de Beja a uma empresa belga para fazer uma gigantesca lixeira ou decida exterminar o futebol. Porquê?

Por causa dos discursos! Nas noites eleitorais há duas ou três coisas com as quais podemos contar: podemos contar com uma contagem decrescente a indicar as 20 horas e os resultados das projecções dados à mesma velocidade com que se leem as letras pequeninas de um contrato de leasing num anúncio de rádio; Podemos contar com as intervenções dos vários comentadores a justificarem porque é que os resultados eram previsíveis e eles próprios já os tinham previsto dias antes, mesmo que tenham feito campanha pelo candidato que perdeu; Podemos contar com as exuberantes comemorações à porta da(s) sede(s) de campanha vendedora(s) com muitas bandeiras de uma ou duas cores (a do partido político ou a do partido que apoia o candidato e mais a bandeira do candidato). E podemos contar com discursos dos líderes vencedores e vencidos que serão todos analisados à lupa no dia seguinte em resmas de artigos de opinião de que ninguém se vai lembrar 4 dias depois mas que rendem aos seus autores o suficiente para umas férias no Dubai.

E nos discursos reside a chave do meu mistério. Já repararam bem na qualidade ou falta dela dos discursos dos vários líderes? A esquerda é muito melhor a fazer discursos de vitória e a direita é muito melhor a fazer discursos de derrota. Percebi isto por causa dos discursos do Marques Mendes e do Carmona Rodrigues na semana passada. O do Marques Mendes só invocava grandes valores como a responsabilidade, o dever cívico ou a supremacia da vontade do povo e colocava a Câmara à disposição dos eleitores. O de Carmona falava de honra, de dever cumprido, de eficácia, de competência e mais não sei o quê.

E com estes discursos lembrei-me também dos discursos lindos, lindos quer do Paulo Portas quer do Santana Lopes nas legislativas em que Sócrates conseguiu a maioria absoluta. Portas falou, com tom solene, em dignidade, respeito pela vontade popular, a tranquilidade de ter cumprido o seu dever com competência e em nome dos superiores interesses da nação (só mesmo a direita é que usa a expressão "os superiores interesses da nação" e é pena, porque é uma expressão muito bonita e fica muito bem num discurso). No fim, já comovido, os apoiantes com a lágrima ao canto do olho, alguns choravam mesmo (homens de barba rija e tudo, como o Nobre Guedes) e anuncia que aceita as consequências daquele resultado e num tom pesaroso (de que mais tarde se arrependeu, pelos vistos) anuncua que se retira da liderança do partido! Brutal, fantástico! Um volte face espectacular que de repente relegou para segundo plano a primeira maioria absoluta dos socialistas! Quem quer saber o que diz o Sócrates? Olha a Maria José Nogueira Pinto a chorar e o Telmo Correia a dar um lenço para o Nobre Guedes limpar a ranhoca! A solenidade do momento impunha uma reflexão profunda e até eu me senti comovido. Santana Lopes, logo de seguida, afinou pelo mesmo diapasão e também falou da mágoa que sentia, e do drama e mais não sei o quê. Ficou-se aquem do seu companheiro de governo apenas por não se ter demitido, mas mesmo assim discursou com muita dignidade. Deixou-me muito boa impressão, quase que me arrependi de não ter votado nele. A sério, cheguei a ir à mesa de voto a dizer que me tinha enganado e que queria votar outra vez. Mas não me deixaram, cambada de fascistas.

Já a esquerda tem tipicamente discursos de vitória muito pouco polidos e costuma achincalhar os adversários, como se a derrota não fosse suficiente. Louçã e Jerónimo não pouparam críticas ao governo de direita e fartaram-se de dizer que o povo deu um sinal claro que chumbou as suas políticas de direita (sim, eles se calhar ainda não tinham percebido, era preciso repetir, han?) e Sócrates não cabia em si de contente, andava histérico e falava em grande vitória e mais não sei o quê. A esquerda é fixe quando ganha porque aproveita quando o adversário está no chão para lhe dar biqueiros na cabeça e é disso que o meu povo gosta, para citar uma frase que o Jorge Perestrelo muito dizia nos seus inesquecíveis relatos de futebol.

Por outro lado, quando a direita ganha umas eleições é uma merda. Veja-se o que aconteceu agora na Madeira. Os discursos de vitória do AJJ não foram maus, tiveram insultos q.b. e provocações, mas por outro lado os discursos de derrota foram fraquinhos. Começam a vitimizar-se a acusar os vencedores de tudo e mais alguma coisa. O que está mal, meus amigos, a menos que se trate de futebol; se o Benfica conseguir (por algum milagre, infelizmente improvável) ganhar o campeonato, virão todos os lagartos falar do golo marcado pelo Paços de Ferreira com a mão e lembrar-se-ão até de penalties da época passada para contestar a vitória do Benfica. Mas tirando o futebol, este tipo de discurso é pouco aceitável. Afinal, a política é uma actividade séria praticada por pessoas sérias (sobretudo a nível local) e não é bonito acusar os vencedores em vez de tirar as devidas conclusões da derrota.

Se no caso destas eleições insulares não me vou alongar muito (até porque aconteceram ontem e portanto não posso inventar o que me apetecer porque é muito fácil desmentirem-me), devo contudo relembrar dois exemplos que ficaram na nossa memória: as últimas autárquicas e as últimas presidenciais.

Pouco faltou ao Carrilho para pôr as culpas da sua derrota em cima da qualidade de papel com que foram feitos os votos. Depois de insinuar que o povo votou no Carmona porque é estúpido porque se fosse inteligente e culto votaria nele, depois de insinuar que se não mudassem o resultado ele era bem capaz de fazer uma birra e não voltar a aparecer em público com a Babá e o Bebé, depois de acusar o partido porque não lhe deu apoio, o PSD porque foram maus e o Carmona porque se veste mal, só faltou dizer que os lisboetas com bom gosto nunca poderiam votar em boletins com aquela qualidade. Ao ver o voto qualquer pessoa instruída diria "Q'horrôreeeeee!" e ficaria enojada só de lhe tocar. E por isso perdeu. Eh pá, isso ninguém gosta de ver. Um homem daquela idade a fazer birras? Só lhe faltou fazer beicinho, gritar e bater os pés (não resisti a pôr este link; imaginem o Carrilho a fazer uma fita daquelas!). Depois vem o PCP que desata a bater no PS e a dizer que a culpa é deles, que a culpa é do Carrilho, que a culpa é de toda a gente, menos dos comunistas. Bem, os derrotados mostraram muito mau perder. E os vencedores? Mostram classe e dignidade! Respeito pelos adversários, seriedade no momento de assumir a vitória, e até têm uma palavra de cortesia, pasme-se, para com os seus adversários políticos. E que estão disponíveis para os ouvir e trabalhar com eles e mais não sei o quê! Mas é para isto que eu pago quotas... errrr... impostos? Para ouvir o Carmona respeitar os adversários? Ó homem, aproveite agora que eles tão baralhados, porque quando forem eles a tar na mó de cima não vão ter dó nem piedade (e como se viu agora, não tiveram, claro!).

E as presidenciais? O que me têm a dizer das presidenciais? A esquerda a urrar que é o fim da democracia e vem aí o fascismo e o Cavaco a falar de "cooperação institucional"! O único que se safou no meio disto tudo foi o Alegre que passou metade do discurso a lamentar não ir à segunda volta e a outra metade a dizer "Bem feito!" aos soaristas. O que Cavaco devia ter dito era "Ó Soares: ganhei-te cabrão! Bem feito!!! Agora vais vetar o quê? Han, vá, diz lá, vais vetar o quê? Volta daqui a 5 anos, dou-te 10 pontos de avanço!". Isso é que era discurso! Agora falar de compromisso e dever e começar logo a passar a mão pelo pêlo (YES! Consegui escrever "pelo pêlo"! bué fixe!) ao Governo.

Moral da história: a esquerda vencedora tem discursos a espezinhar os outros, assim como o Mourinho quando ganha; quando perde tem discursos à treinador de futebol derrotado (excepto o Mourinho que mesmo quando perde discursa como se tivesse ganho). Queixa-se do público, do árbitro, da relva, da bola, só não se queixa do cabrão do Anderson que não sabe acertar com as marcações num livre. Oops, desculpem. Os dois empates com o Porto e o Sporting ainda não estão bem digeridos. A direita por outro lado quando ganha parece que isto de ganhar até é um frete, eles nem queriam. Quando perde, aí sim, mostra-se em todo o seu esplendor e tem maravilhosos discursos a assumir as suas responsabilidades. E é por isso que eu sou de esquerda, porque gosto muito mais dos discursos de fim de noite quando a direita perde. Não é por mais nada.

E com isto percebi a razão do meu alinhamento político. E vocês? Já perceberão a vossa?

11 comentários:

Anónimo disse...

Olá!
Ando aqui desde Agosto 2006. A dizer, só uma coisa: delicioso! Parabéns!!!
Joao

Anónimo disse...

alias eu também sou de esquerda porque quando perdem também têm discursos com pinta ( c.f.ségolène a sorrir, enquanto o outro anao parecia estar chateado com o frete de ter que governar os franceses)

Nelson disse...

ha! Eu ando aqui desde Setembro de 2005. Ganhei!

Filipe Moura disse...

(Eu também ando aqui desde Setembro de 2005.)
Eu basicamente sou de esquerda porque quero que a direita se foda. Se sbstituirmos esquerda por Sporting e direita por Bnfica, também é verdade.

Nelson disse...

eh lá, tamos danados, han?

Anónimo disse...

Mas só faz sentido sporting igual a direita e benfica igual a esquerda nem que seja porque parece-me que há mais esquerdófilos lampiões e direitófilos (que péssimo) lagartos. Ver ainda que a plebe é toda do benfica e como tal faz sentido que seja associada à esquerda sem falar na cor, desde quando é que a direita alguma vez poderia tocar no vermelho. Direita vermelha = nazis e para isso já temos os no name boys (estes não contam como adeptos do benfica).

Nelson disse...

abc e Filipe: com tanto disparate dito num só post vocês pegaram logo no tema futebol. fanáticos... ;)

Ana disse...

FOISGA-se...DAASSSSEEEE tinha aqui um comentário todo alinhavado...e fui-me enganar na tecla...e PUF, foi-se...aaaaaaaaaaaaaaaaaaah

Nelson disse...

é fodido, não é?

Anónimo disse...

Consegui !!! Li o post de uma só vez. O aviso do início não era a brincar...

Mas valeu a pena! Continua assim ;)

Nelson disse...

eu nunca brinco com os avisos do início! :)