05 fevereiro 2006

Só um pequeno comentário

Será que ouvi bem? Resumo da história: num jornal dinamarquês alguém publicou um cartoon que representava o Maomé com um turbante-bomba prestes a explodir. Imediatamente aquilo foi considerado blasfémia e a blasfémia paga-se com a vida. Vai daí, na Síria e Líbano destruiram as embaixadas da Dinamarca.



E agora, ouvi os presidentes da UE a criticarem o jornal, dizendo que a liberdade de expressão pressupõe respeito pelas crenças dos outros. Não me lembro de ter visto alguém alguma vez criticar os cartoons que punham João Paulo II num papamóvel de formol. Mas também, ninguém escavacou embaixadas nessa altura.



Desde quando é que humor é insulto? Pode ser de mau gosto ou de bom gosto, mas é apenas caricatura. É exagerada e preconceituosa por natureza. É por isso que tem piada!



Como disse o El Pais, e bem, não é maior pecado invocar Alá para atirar aviões contra edifícios cheios de gente, ou para colocar bombas em comboios? Porque será que ninguém atacou embaixadas do Afeganistão (ou da Arábia Saudita) aquando do 11 de Setembro? Porque será que ninguém atacou embaixadas do Iraque quando o Saddam invadiu o Kuweit ou quando atirou com gás mostarda para cima dos curdos?



Mas querem-me convencer que a reacção das populações que partiram as embaixadas é normal, porque se sentiram ofendidos. Eh pá! Eu sou benfiquista. O "Barba e cabelo" d'A Bola ofende-me todos os dias! Se calhar vou lá partir aquilo tudo!

3 comentários:

Nelson disse...

À medida que fui vendo as notícias também fui percebendo que houve comportamentos pouco próprios de vários jornais (incluindo um jornal francês à beira da falência que aproveitou para facturar).

Continuam três questões:

1. As acções ficam com quem as pratica. Humor de mau gosto eu escolho não ler. Não atiro cocktails molotov às instalações do jornal, à casa dos seus donos ou à embaixada do seu país. Se fizéssemos isso de cada vez que uma barda a CNN ofende Portugal havia uma cratera na Av. Forças Armadas (embaixada dos EUA, para quem não sabe).

2. No "hemisfério ocidental" a censura não é praticada com uma excepção: os EUA (ver post sobre o Superbowl). Governos não censuram jornais privados. Nem públicos, aliás.

3. Amor com amor se paga. Quanto a pagar humilhações com incêndios e vidros destruídos...

Anónimo disse...

"Two values are in conflict here. One is respect for religion and the other is freedom of speech."
Peter Vandermeersch, Editor-in-Chief of Belgian newspaper De Standaard, which reproduced the pictures.


[url]http://english.aljazeera.net/HomePage[/url]

Nelson disse...

Não. Não concordo.

Há dois valores em conflito: um é o direito à indignação, o outro é o respeito pela propriedade.

Se o jornal fez bem ou mal em desenhar Maomé com um turbante-bomba é uma questão. Eu defendo o direito à caricatura. Sobre todos os temas. Pode ser de bom gosto ou mau gosto, mas é apenas caricatura.

Se o cartoon foi feito com a intenção deliberada de "desafiar, blasfemar e humilhar o Islão", é uma atitude condenável, mas é uma questão a ser resolvida entre os editores dos jornais em questão e as autoridades religiosas islâmicas. Pode ser ofensivo ou não, e cada um tem o direito à indignação e à manifestação.

Exigir que um governo censure ou condene um jornal privado por ter ofendido uma religião é puramente RIDÍCULO em qualquer estado de direito democrático. Para isso existem tribunais. Iniciem um processo em tribunal na Dinamarca exigindo do jornal, não do governo, uma indemnização aos muçulmanos.

Partir embaixadas, queimar embaixadas é bárbaro, injustificável e um acto de guerra. As embaixadas são protegidas por tudo o que é convenção internacional. São terreno de santuário para pedir asilo, para negociações bilaterais, etc. Se as embaixadas em países islâmicos não estão a salvo, o mundo islâmico está a preparar-se para ser totalmente fechado.

Quando mais de 3000 pessoas morreram no World Trade Center as manifestações foram, na sua maioria, silenciosas e não violentas. E toda a gente condenou as atitudes violentas contra muçulmanos. Os estados islâmicos condenaram os americanos que partiram os vidros das lojas de árabes, paquistaneses e outros. Mas agora, não condenam a destruição de embaixadas na Síria e Líbano por causa de um cartoon de um jornal.

A liberdade de expressão requer duas coisas: respeito pelos outros (nomeadamente crenças religiosas) e responsabilidade editorial. Se alguém se sente ofendido recorra a tribunais. Mas eu recuso ver os valores islâmicos impostos à União Europeia. Eles que cortem as mãos que lhes apetecer aos seus cidadãos, nos seus países. Mas ninguém nos pode obrigar a aceitar preceitos morais que não são nossos. Se querem queixar-se de nós, aqui, façam-no usando as nossas regras. Quando um europeu vai ao Qatar e é apanhado a fumar charros é julgado pelas leis do Qatar. Quando um jornal de Copenhaga ofende o Islão é julgado pelas leis da Dinamarca.

O respeito é uma via de dois sentidos.