O doping é uma coisa chata. É um acontecimento global, corriqueiro, muitos são os atletas que se dopam e volta e meia lá temos um escândalo. O pior mesmo é quando se descobre alguma coisa a posteriori.
Por exemplo, nos anos 80 o velocista canadiano Ben Johnson foi desqualificado por doping. O record mundial dos 100m foi-lhe retirado e ficou 1 ano suspenso (ou mais, já não me lembro). O seu grande adversário da altura, Carl Lewis, veio assumir-se como um paladino da verdade desportiva e condenou a batota do canadiano. O Ben Johnson voltou a ser apanhado, quando regressou à competição e foi erradicado do desporto. Carl Lewis sempre teve um comportamento exemplar, nunca foi apanhado com coisas esquisitas no organismo e ganhou 9 medalhas de ouro em 4 edições dos jogos (velocidade, estafeta e salto em comprimento). Mas até sobre este "atleta exemplar" veio a saber-se, mais tarde, que tinha acusado positivo em testes anti-doping na preparação para os JO de Seul (aqueles em que o Ben Johnson foi eliminado e o Carl Lewis veio defender o atletismo limpo). Resultados esses escondidos pela USADA (US anti-doping agency).
O caso do momento é o da menina de ouro do atletismo americano: Marion Jones. Depois de uma carreira brilhante, com 5 medalhas nos JO de 2000 (Sidney), sendo 3 de ouro e 2 de bronze, foi apanhada nas malhas do escândalo da BALCO (laboratório de "suplementos alimentares" para atletismo de alto rendimento, sediada em São Francisco). Um esteroide desenhado à medida e que durante alguns anos foi ministrado a atletas sem que fosse detectável nas análises. Curiosamente a substância, a THG ou Tetrahidrogestrinona, foi descoberta depois do treinador de Jones e um dos principais promotores do consumo e tráfico da substância, ter enviado uma amostra para a agência mundial anti-dopagem. Começaram a fazer análises a amostras já recolhidas e começaram a chover resultados positivos. Quando se descobriram os primeiros não faltaram atletas a dar a cara pelo atletismo sem batota e a condenar os que competiram dopados. Entre os quais, a menina de ouro Marion Jones. Campeã mundial e olímpica dos 100m, casada com o "homem mais rápido do mundo", Tim Montgomery, também ele um exemplo de trabalho, dedicação, esforço e honestidade. Logo nas primeiras análises aos resultados dos mundiais de 2003 foram apanhados cerca de 20 medalhados mundiais com THG!
Mas depois o conto de fadas acaba-se: Marion Jones acusou positivo num controlo à THG, Tim Montgomery foi apanhado também e o seu record dos 100m (9.78) foi removido. Marion Jones sempre afirmou que não tinha tomado conscientemente substância alguma proibida. Veio agora desdizer-se e admitiu o consumo de THG entre 1999 e 2003. Devolveu as suas medalhas olímpicas (e as suas colegas de equipa nas estafetas 4x100 e 4x400 terão de fazer o mesmo!) e admitiu o logro que durou todo o auge da sua carreira. Vai ter inclusivé de devolver os prémios, só que agora não lhe dá jeito porque está falida (tsc, tsc, tsc... tanto dinheiro que ganha um atleta de alta competição, tanto dinheiro que se gasta em batalhas legais por causa do doping...).
E agora sim, começam os problemas! É que se a Marion Jones devolve a medalha de ouro nos 100m é de esperar que a 2ª classificada a receba à troca pela medalha de prata. Mas a 2ª classificada é... Ekaterini Thanou. Se não sabem quem é, aqui fica uma história: nos JO de 2004, em Atenas, Thanou e o seu colega de treinos Kostas Kenteris (campeão mundial de 200m) faltaram a um controlo anti-doping porque tiveram um acidente de mota e foram parar ao hospital. Só que... o acidente nunca aconteceu e o internamento foi forjado. Eles faltaram ao controlo porque era habitual fazê-lo. A sua estratégia consistia em obter más classificações nos rankings para não serem alvo de controlos surpresa, ir para parte incerta para não serem facilmente encontrados e, se necessário, faltar aos controlos com uma desculpa esfarrapada qualquer. Retiraram-se (para não serem desqualificados e suspensos) dos jogos de 2004. Deixaram o atletismo de velocidade grego com uma péssima imagem e não deixam saudades ao atletismo.
E agora temos um problema: quando se vem a descobrir que um campeão é batoteiro, tira-se-lhe o título. Aconteceu nos europeus de 100m e 200m em que o Obikwelu veio a ganhar, 3 anos depois, as medalhas de ouro. Mas... o que se faz quando o vice-campeão é apanhado mais tarde a fazer a mesma batota, como no caso da Thanou? (e provavelmente também estaria "impregnada nos jogos de 2000)
O COI tem sérios problemas para resolver. O atletismo de velocidade é um antro de esteroides feitos à medida, o ciclismo é um paraíso para as sustâncias esquisitas, o halterofilismo também, as modalidades que perdem a credibilidade são cada vez mais. O que se faz numa situação destas?
Eu acho que as penalizações deviam ser mais graves. Se um atleta, que representa um determinado país, for apanhado com doping, as agências anti-doping desse país devem ser responsabilizadas, nomeadamente desqualificando o PAÍS TODO dos Jogos ou dos mundiais. Se vier a ser provada a conivência das autoridades, a desqualificação pode ser complementada com uma suspensão de uns anitos, impedindo o país de participar nos jogos seguintes. E retirando-lhes a possibilidade de receber os Jogos nos próximos, digamos, 20 anos. Só assim se consegue que os batoteiros tenham a protecção dos seus treinadores, colegas de equipa e dirigentes. Porque se um atleta for apanhado, só ele é que é prejudicado, o resto da equipa não.
É por estas e por outras que eu gosto de F1: toda a gente faz batota, eu sei disso, e não conto com honestidade de ninguém. Sempre que leio uma notícia tento ler também as entrelinhas. Mas no atletismo ainda tinha a esperança que a batota fosse uma excepção e não a regra, que o desporto podia ser visto como tal, uma competição entre seres humanos em que ganha o mais forte, o mais rápido, o mais alto, o melhor. Mas não, é outra daquelas modalidades que continuarei a ver mas que deixarei de admirar. Porque os atletas não me merecem confiança.
Notícias sobre doping no desporto e coisas afins no Podium site de desporto do Público.
10 outubro 2007
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6 comentários:
Ascensão, Nelson!
Muito radical, não? Então um atleta passa anos a preparar-se para ir aos JO do ano não sei quantos, e porque aparece um toino com a mania que é esperto e não vai ser apanhado nas malhas do doping, só porque são da mesma nacionalidade, fica proibido de competir? Ou será que percebi mal a tua ideia?
eia, ganda barda!
Vou alterar o título.
o objectivo é mesmo o de forçar as associações nacionais a controlar os seus atletas. Limpar de vez a imagem do desporto. E infelizmente parece que só quando as penalizações são a doer é que os batoteiros pensam duas vezes.
Nos anos 80 os adeptos do Liverpool provocaram disturbios na final da Taça dos Campeões e houve vários mortos. Todas as equipas inglesas foram banidas das competições europeias.
Em quanto se queiram construir superhomens e supermulheres isto vai continuar, infelizmente. Não se pode estar superando limites assim por sempre.
A Sun tem razão.
Já percebi a tua ideia, mas não deixaria de ser injusto para os atletas que se esforçam a treinar anos a fio, sem batotas. Paga o justo pelo pecador...
Pois eu cá acho que se devia permitir tudo e pronto, que ganhe a multinacional farmaceutica mais talentosa ou que ganhe o super-homem-mulher mais pedrado.
E se formos a ver bem a coisa, dopamo-nos diariamente para tudo. Será justo, por ex, fazer um exame qualquer a uma disciplina qualquer contra cromos cheios de cafeína, ginkgo biloba ou outros fortificantes cerebrais?...
Será justo os meus formandos terem de "competir" com uma sêto-formadora cheia de pica do café??
Será justo uma sêtoformadora ter de levar com formandos cheios de défice de neurónios? Ou carregados de testosterona? Ou estrogéneos a mais?
Será justo um ouvinte ter de competir, num exame, com um surdo capaz de ler nos lábios e copiar pelos lábios (não que eu já tenha feito isso...cof cof cof!)?
Hoje em dia há substâncias para tudo...porque não para o desporto tb? Que vença a melhor farmaceutica, ora!!!
;-p
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