31 agosto 2008

JO2008 - Parte XIII, Uma de ouro, uma de prata

Este post faz parte de uma série dedicada à participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim. É aconselhável ler também os posts anteriores.

Até à final do triplo salto não faltava quem anunciasse na comunicação social a calamidade eminente: vamos sair de Pequim só com uma medalha, um resultado vergonhoso (bem pior foi o de Barcelona em 1992, em que saímos com zero medalhas, mas nestas alturas a comunicação social tem o condão de se esquecer do que não lhes dá jeito).

Já se previa a fanfarra em torno de Vanessa Fernandes, a única que trouxe dignidade às cores nacionais.

Até o presidente do COP veio dizer que não iria candidatar-se a novo mandato, porque falhou os objectivos. Tinham acabado as provas de Naide Gomes e Gustavo Lima, restava 1 possibilidade de medalha.

2 dias depois, salta Nelson Évora (salta, não, que digo eu? VOA!) uns espectaculares 17,67m e ganha a medalha de ouro.

E de repente... passamos de uma prestação "vergonhosa", "decepcionante", "fraca" para "a melhor prestação de sempre". E isto segundo quem? Segundo os critérios do COI, que primeiro ordena por medalhas de ouro, depois por medalhas de prata e depois por medalhas de bronze. Critério que serve muito bem os propósitos: salvar a face! De toda a gente: salvar a face do secretário de estado do desporto, do COP, da missão portuguesa, da comunicação social. A melhor prestação de sempre só o é porque dá jeito.

A "melhor prestação de sempre" conseguiu sê-lo por 6 cm. 6 cm a menos e Nelson Évora ficaria com a prata. 9 cm a menos e ficaria com bronze, 16 cm a menos ficaria fora do pódio.

Como é possível que a "melhor prestação de sempre" dependa de tão pouco? Como é possível que as condições que o presidente do COP não tinha, apareceram de repente, fruto de apenas 16cm? Das duas, uma: ou o COP fez bem o seu trabalho e providenciou aos atletas as melhores condições possíveis, ou não! Se o fez, se o trabalho está bem feito, se as bases estão lançadas, então a continuidade do projecto não pode depender do número de medalhas. Até poderia, se fôssemos um país com a tradição de ganhar medalhas às dezenas, mas quando o objectivo são 4 estamos demasiado à mercê de imponderáveis para hipotecar o projecto numa aposta frágil. Se não fez, se as condições não foram as melhores, se os atletas não tiveram tudo aquilo de que necessitavam, então não é uma medalha de ouro, por mais saborosa, desejada ou merecida, que vai disfarçar o problema.

Vicente Moura fez mal ao anunciar que não se recandidatava. Fez mal porque o anunciou durante os jogos. Deveria ter feito o anúncio, se era essa a sua intenção, no fim dos jogos quando fosse altura de apresentar um balanço. Mas fez muito pior em dar o dito por não dito dois dias depois. Feita a asneira, assume-se a asneira. Sob pena de se perder toda a credibilidade. Até ao seu anúncio de renúncia eu apoiava a liderança de Vicente Moura. Agora acho que é altura de mudar de chefia. Esta perdeu a face e dificilmente a recupera. Junto de atletas, treinadores, federações e público em geral.

Finalmente, como é possível que uma equipa tão contestada, tão criticada, tão atacada por todos os lados, seja agora levada aos píncaros apenas porque em vez de 1 medalha trouxeram duas? Sinceramente, não concordo que esta prestação tenha sido a melhor de sempre. Ou pelo menos não tenho assim tanta certeza. Em 2004 trouxémos 3 medalhas e uma batelada de diplomas olímpicos. Gostei muito dos resultados de Atenas. Não tanto dos de Pequim. Os melhores em Pequim foram melhores que os melhores em Atenas, mas ficámos aquém do desejado nalgumas modalidades e nalguns eventos.

Classificar esta prestação como a melhor de sempre é injusto. É injusto para com os atletas que esperavam ter feito melhor do que fizeram. Dizer que esta prestação foi a melhor de sempre é dizer a Naide Gomes, Gustavo Lima e Telma Monteiro, para citar apenas os 3 casos mais mediáticos, que os seus maus resultados (maus, tendo em conta as expectativas) não nos incomodam. Não estamos nada aborrecidos com o pódio falhado por 1 ponto de Gustavo Lima, com a eliminação surpresa de Naide Gomes ou com a derrota inesperada de Telma Monteiro. Pois eu estou chateado! Estava a contar com melhor. Por isso, não acho que tenham sido os melhores Jogos Olímpicos de sempre. E quero que estes atletas vão a Londres para a desforra dos resultados de Pequim!!! Merecem eles e merecem aqueles que os apoiam.


Próximos episódios:
- O dinheiro dos contribuintes
- Conclusão

5 comentários:

Unknown disse...

"fruto de apenas 16cm" ?!?!?!?

Nelson disse...

o sentido é o seguinte: na véspera Vicente Moura não tinha condições para se recandidatar.

Após a medalha de Nelson Évora, já tinha.

16cm a menos e Nelson Évora ficaria em 4º em vez de em primeiro e Vicente Moura não anunciaria a disponibilidade para continar à frente do COP. A medalha mais à tangente da história do triplo salto mudou assim tanto as circunstâncias? As condições para a continuidade estão assim tão intimamente ligadas aos resultados, mesmo que conseguidos à tangente? Se assim fosse, o 4º lugar de Gustavo Lima devia contar como um objectivo atingido, não como um fracaso.

(obviamente não quero desvalorizar o trabalho de Nelson Évora, que mostrou em Pequim, uma vez mais, que é o melhor triplista da actualidade; mas tal como em Fevereiro em Valência ficou "apenas" em terceiro, num dia um pouco menos que perfeito teria ficado com uma classificação pior)

Ana disse...

Nelson, percebe-se bem o que queres dizer. Não há desvalorização de nenhum atleta em lado nenhum, pelo contrário.
Pena é que nenhum dos nossos jornalistas tenha tirado um verdadeiro curso jornalistico e se tenha rendido aos encantos do sensacionalismo.Tivessem eles feito a cobertura dos JO com a imparcialidade e profissionalismo que se lhes espera e a coisa poderia ter sido diferente. Arrisco me a dizer que a própria prestação dos atletas, desta maneira super pressionados por uma opiniao publica ignorante e inflamada (instigada por quem?...) e desapoiados por um vicente que ora cria altos voos, ora não se quer recandidatar (tendo sido referido como demissão...quando não foi isso que ele disse, e até um surdo o percebeu...) a meio dos JO, ora já se quer recandidatar...atão??? confia na equipa que tem ou não??? Não duvido que mesmo ele não tenha sido obrigado pelas altas instancias a fazer esses anuncios...mas um lider deveria saber estar acima dessa celeuma e manter os seus atletas concentrados. É um bocado isso que aconteceu, desconcentração e pressão a mais.
Para onde foi "é apenas um jogo"?...

Ana disse...

Algures no meio da frase perdi-me...arrisco me a repetir que, de manhã... LOOOL, não é gozo, é verdade!!! não funciono. ponto.

Mas queria dizer, como penso que se percebe, que a prestação da equipa portuguesa se viu seriamente prejudicada com os ataques, pressão e desapoio de que foi alvo.

Nelson disse...

também, me perdi a meio da frase, deixa lá.

Em relação ao "é apenas um jogo": não, não é. Desde o pós-guerra com o início da propaganda da guerra fria que deixou de ser apenas um jogo.