28 agosto 2008

JO2008 - Parte VIII, Vanessa Fernandes e Vicente Moura

Este post faz parte de uma série dedicada à participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim. É aconselhável ler também os posts anteriores.



Vanessa Fernandes fez o que se esperava, nadou bem, pedalou bem, correu bem e ganhou uma medalha de prata. Antes de mais, parabéns à Vanessa Fernandes por este resultado excelente! Vi a prova de triatlo em directo e houve uma altura, perto do fim do ciclismo, em que achei que ela conseguiria ganhar o ouro. Depois, já na corrida, temi que lhe falhassem as pernas e fosse apanhada pelas perseguidoras.

No dia seguinte veio dizer, instigada pela comunicação social, que alguns atletas estão em Pequim mais para passear que para se aplicarem a fundo. Duvido que ela soubesse como andavam as coisas por cá. Se soubesse, talvez nunca tivesse dito uma coisa destas (update: ontem, à chegada a Lisboa, ela própria disse que não devia ter dito aquilo e que as declarações dos atletas portugueses foram mal interpretadas).

Note-se que as afirmações polémicas de Vanessa Fernandes foram proferidas em resposta às repetidas perguntas dos repórteres (p. ex. da RTP) que lhe pediram uma opinião sobre algumas das frases proferidas pelos atletas à saída das suas competições. Coisa que nem sequer deviam ter perguntado. A Vanessa Fernandes pergunta-se pela sua prova, pelas suas rivais, pelo seu resultado, pelas suas expectativas. Aos dirigentes da missão portuguesa pergunta-se sobre a comitiva em geral. Pedir opiniões a quem as não deve dar é mandar mais achas para a fogueira e a comunicação social foi demasiadas vezes a instigadora de polémicas absurdas e desnecessárias. Mas sobre a comunicação social e o seu papel, falei mais à frente.

Com a polémica totalmente instalada e os atletas portugueses a serem acusados em catadupa de falta de empenho, o que se ouviu da boca de Vanessa Fernandes, quisesse ela dizer isso ou não, foi que há uma generalizada falta de empenho na comitiva portuguesa. Vanessa ganha medalha, reclama com a falta de empenho dos outros. Mostra serviço, tem o nosso apoio, se o diz é porque é verdade. E neste momento, já não interessa mais nada. Já não interessam as circunstâncias de uma vitória ou de uma derrota. Já não interessam os recordes nacionais batidos. Já não interessa se um determinado atleta se estreia e perdeu logo contra o nº 1, não interessa se uma qualificação escapa por 35 milésimos (Emanuel Silva, na meia-final da canoagem K1 1000m), não interessa se a medalha se perde por 1 ponto (Gustavo Lima, vela, classe Lazer), não interessa se é um desporto sem tradição em que Portugal teve este ano a sua estreia (tae kwon do, ténis de mesa, badminton). Neste momento, está o caldo entornado. Quem trouxer uma medalha é bom, é um heroi nacional. Os outros são todos uma merda, mais valia não terem ido, só lá foram gastar o nosso dinheiro. Mas sobre dinheiro falarei mais à frente.

Vanessa Fernandes não devia ter dito o que disse. Mas disse-o. Pior, foi o que veio depois: o próprio presidente do COP, Vicente Moura, veio dizer que apenas se exige aos atletas brio e profissionalismo. A mensagem que passa? Que não há brio nem profissionalismo na comitiva.

Isto dito durante os jogos! Em plena competição, quando ainda havia mais de 20 atletas em prova, vem o presidente do Comité Olímpico Português sacudir água do capote, apontando responsabilidades à falta de empenho dos atletas. Se há falta de empenho na comitiva portuguesa (o que, muito sinceramente, duvido), a responsabilidade é do COP que não soube gerir melhor a equipa que seleccionou. Que não soube em tempo útil prevenir ou castigar os atletas que não levam os Jogos Olímpicos suficientemente a sério. Duvido que algum atlteta tenha ido a Pequim só para ver as vistas, ou para fazer férias à conta do orçamento. Mas depois de o próprio presidente do COP o afirmar, comecei a ter dúvidas...

Dias mais tarde surgiu a primeira frase decente de um dirigente da comitiva portuguesa: o chefe de missão, quando lhe pediram um comentário às declarações de Vanessa Fernandes e Vicente Moura, bem como uma análise ao desempenho dos atletas, pediu mais respeito pelos atletas ainda em prova. Deu um grande raspanete à comunicação social que procura polémicas, desestabiliza a comitiva e vem depois colher os frutos dessa desestabilização semeando mais polémicas.



Nota: Vanessa Fernandes é atleta profissional do Benfica. É actualmente penta-campeã europeia e foi campeã do mundo em 2007, depois do 2º lugar em 2006 e 4º lugar em 2005. No último mundial foi apenas 10ª. Venceu a Taça do Mundo de triatlo em 2005, 2006 e 2007 e é a recordista absoluta de vitórias em provas de Taça do Mundo, contando já com 21 vitórias. O facto é tão mais notável quando Vanessa Fernandes tem apenas 22 anos e compete numa modalidade em que o pico de forma se atinge por volta dos 27 ou 28 anos. Esteve presente nos JO de Atenas em que foi 8ª classificada. O seu curriculo é impressionante e não restam grandes dúvidas que é a melhor triatleta da história, tendo ainda 7 ou 8 anos pela frente ao mais alto nível. Está integrada no projecto Pequim 2008 desde Setembro de 2004 no nível II (bolsa de 1000 euros/mês), tendo ascendido ao nível I (bolsa de 1250 euros/mês) em Setembro de 2005.

Nota 2: Vicente Moura é presidente do COP desde 1997. No seu curriculo enquanto presidente do COP conta com 3 edições dos Jogos: Sidney (2 medalhas de bronze), Atenas (2 medalhas de prata e 1 de bronze) e Pequim (1 medalha de ouro e 1 de prata). Desde que assumiu a presidência do COP o número de modalidades em que Portugal compete aumentou, bem como foram criadas as condições para que aumente também a qualidade das prestações portuguesas nos Jogos Olímpicos. Foram assinados diversos contratos-programa e criadas inúmeras infra-estruturas, sendo o Centro de Alto Rendimento do Jamor o caso mais notável. Já está contratada e vai ser construida uma pista coberta no Jamor para atletismo, permitindo aos nossos atletas treinar durante a época de Inverno em Portugal, em vez de rumar ao estrangeiro.

6 comentários:

Teté disse...

Por mais admiração que tenha pela Vanessa, acho que se devia cingir a comentar o seu desempenho, resultados, dificuldades, em resumo sobre as provas em que participou ou vai participar.

Quanto ao outro palhaço, sorry, continuo a achar que um biqueiro no traseiro era o que ele precisava. Porque não cabe na cabeça de ninguém desestabilizar os atletas com declarações pouco pertinentes, durante as provas. Sede de protagonismo, num caso destes, é imperdoável! ;)

Nelson disse...

Em defesa de Vanessa Fernandes, ela ontem admitiu que as declarações proferidas em Pequim foram um erro.

Em defesa de Vicente Moura, é inegável que deixa um bom legado no COP e boas condições para trabalho futuro.

Anónimo disse...

Não diferencio as afirmações da Vanessa Fernandes das badaladas afirmações do marco Fortes, Vânia Silva e Jéssica Augusto.

Explicaram-se mal, excederam-se ou foram simplesmente infelizes. Paciência e sangue frio é o que se pede a quem analise estas coisas. Assumindo que deram todos o melhor que podiam, têm todos o meu obrigado e parabéns.

Não gostei muito da dança de cadeiras do Vicente Moura. Agiu impaciente e sem reflexão e meteu a pata na poça. Mas apesar de cometer erros, tem resultados para mostrar.

A única coisa que não lhe perdoo de ânimo leve foi ter aberto a caixa de pandora com o lançamento mediático de expectativas. Fossem realizáveis ou não, penso que nestas coisas mais vale fazer a festa depois das vitórias.

T. disse...

Ainda assim (tendo resultados), e sem ser nenhuma especialista no assunto, penso que de Vicente Moura se esperava mais sangue-frio que dos atletas/desportistas. Penso que no caso dele não se pode invocar nem verdura da juventude nem inexperiência de marinheiro de primeira água.

E, perdoem-me a ousadia, mas acho que ele também devia dizer em público algo semelhante ao que Vanessa Fernandes disse (que não devia ter dito aquilo e que as declarações dos atletas portugueses foram mal interpretadas). Se já o tiver feito, agradeço que me corrijam.

Num lugar daqueles precisa de aguentar a pressão da comunicação social e defender os seus atletas. Por isso, e só por isso, o meço com uma bitola diferente.

Anónimo disse...

Estou de acordo com a Tânia embora considere que ele provavelmente se deixou levar pela própria onda de entusiasmo que criou. E quando essa onda se transformou em avalanche, à semelhança de muitos por aí, reagiu da pior forma e precipitadamente.

Ana disse...

Bem, já foi tudo praticamente dito e estamos todos de acordo.Pena que sejamos só nós.