29 agosto 2008

JO2008 - Parte X, Razões e desculpas

Este post faz parte de uma série dedicada à participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim. É aconselhável ler também os posts anteriores.



Após a eliminação surpresa de Naide Gomes viveu-se em Portugal uma era conturbada. Digo que foi uma era porque o ritmo das notícias, das opiniões, dos comentários, a visibilidade do tema, dava a entender que a situação se arrastava há anos. E digo que se viveu porque apenas 48h depois (tema a discutir no próximo capítulo) a tempestade desapareceu e entrámos na era da bonança.


Gustavo Lima
O tom de críticas aos atletas olímpicos subiu de tom de tal forma que Gustavo Lima, que perdeu a medalha de bronze por 1 ponto, decidiu desistir da vela. Espero (e acredito que esperem muito mais de metade dos portugueses) que ele reconsidere.

Depois do 6º lugar em Sidney, do 5º lugar em Atenas, do 4º lugar em Pequim, queria mesmo muito vê-lo subir ao pódio. Poucos atletas se sentirão tão injustiçados pela opinião pública portuguesa como Gustavo Lima se sente neste momento.

A opinião pública neste momento criticava os atletas por terem ido a Pequim gastar dinheiro dos nossos impostos (assunto sobre o qual falarei mais à frente), por estarem em Pequim mais a passear que a competir e, obviamente, porque ninguém consegue o raio de uma medalha. Ninguém, não! Porque a medalha de prata conseguida por Vanessa Fernandes só veio dar mais um argumento ao Zé: "Tão a ver, a Vanessa é que é, ela trabalha e traz uma medalha, não fica de fora por um ponto, nem é eliminada. Ela é que é uma grande atleta!".

Lembrem-se que Gustavo Lima falhou a medalha de bronze por um ponto. Vai ser relevante no próximo post.

Em defesa de Gustavo Lima podia-se dizer que do Clube Naval de Cascais, segundo palavras do próprio, só recebe mensagens SMS ou e-mails a agradecer a boa representação que faz do clube. E que da Federação Portuguesa de Vela obteve 10 treinos mensais com treinador. Acho razoável supor que os medalhados olímpicos disponham de treinador próprio, com o qual treinem todos os dias, mas como não conheço a situação da vela, prefiro não especular.

Espero que Gustavo Lima reconsidere e que continue na vela. Porque que os Jogos Olímpicos devem-lhe uma medalha e os portugueses devem-lhe um pedido de desculpas.


Por favor, desculpem
Todo o clima que se viveu em torno da comitiva portuguesa deu azo a situações que roçam o ridículo! Emanuel Silva, após falhar a qualificação para a final dos 1000m na canoagem, disse que fez o seu melhor e que "se desiludi alguém, peço desculpas". Agora todo e qualquer atleta que enfrenta os jornalistas vem de peito cheio, a falar na importância de representar Portugal, defendendo o seu desempenho e pedindo desculpas, contrito, se não conseguiu o apuramento ou a medalha. Fosse ou não um resultado expectável. Foi a este ponto que chegámos: qualquer atleta sente que, se não ganhar, os portugueses vão dizer que mais valia não ter ido. Num dia passa à fase seguinte e é usado como exemplo de dedicação, no dia seguinte perde uma medalha e é acusado de falta de empenho. Por vezes pelas mesmas pessoas que o louvaram na véspera!

Mas... um pouco de história.

Há 4 anos, Emanuel Silva era um desconhecido. Chegou aos jogos olímpicos, tornando-se, salvo erro, o primeiro português a fazê-lo. Qualificou-se para uma final e uma meia-final na canoagem. ERA O MAIOR!!! O maior feito da canoagem portuguesa de sempre! Só à conta dele houve imensos jovens a começar a praticar canoagem. Como resultado este ano temos outras 3 atletas na canoagem: uma em singulares e uma dupla. Em Atenas Emanuel Silva teve honras de reportagem, entrevistas, artigos no jornal a louvar os seus feitos. Pouco faltou para aparecer um novo Camões a transcrever o seu heroísmo em poema.

4 anos depois, falhou a final por 35 milésimos de segundo (na televisão até dá a ideia que até cortou a meta à frente), ficando em 4º da sua meia-final. E vem pedir desculpas se alguém se sente desiludido. Porque nem se atreve a dizer que chegar à meia-final é um bom resultado, não vá alguém acusá-lo de não se aplicar com afinco, de estar em Pequim só para passear, de não dignificar as cores portuguesas.

Também se apurou para a meia-final de K1 500m e ficou em 5º na sua série, falhando também o apuramento para a final. As outras atletas também chegaram às respectivas meias finais, não conseguindo o apuramento para a final. A todos, muitos parabéns! Para um país que há 4 anos não tinha canoagem olímpica fizeram um verdadeiro milagre em Pequim! Espero ver-vos em 2012 em Londres.

Em defesa de Emanuel Silva e dos restantes atletas da canoagem, se tal fosse necessário, poder-se-ia dizer que em Portugal não existe ainda uma pista de canoagem. Está uma em construção, mas não existe. Não faço ideia como se fazem as marcações de distâncias ou de pistas. Também não sei onde se treina, se usam rios ou barragens ou se treinam com frequência no estrangeiro.

Vicente Moura
Em face dos resultados (eliminação de Naide Gomes e 4º lugar de Gustavo Lima), Vicente Moura disse que não continuaria à frente do COP. A notícia até foi dada como se ele tivesse dito que se demitia, vindo depois o próprio a dizer que leva o mandato até ao fim (Dezembro de 2008) mas que não se candidata a novo mandato.

Acho que sim senhor, fica bem. Ainda durante os jogos o presidente do COP diz que vai largar o barco, que os resultados ficam abaixo do esperado. Como se não houvesse críticas suficientes vem o responsável máximo dizer que a coisa correu mal.

Seria o mesmo que um treinador demitir-se ao intervalo de um jogo, porque está a perder e já não é possível dar a volta.

De um atleta espera-se que dê o máximo (e todos deram, que não restem dúvidas!) até ao fim da prova. De um dirigente espera-se que leve a missão até ao fim e que só faça balanços no final das provas. Não é a meio, quando ainda faltam competir uns 20 atletas, que se vem fazer balanços finais.

Claro que, por um lado, Vicente Moura tinha razão: até à eliminação de Naide Gomes as nossas esperanças de 4 medalhas estavam intactas. Ela era candidata a medalha, Nelson Évora também e Gustavo Lima partia para a última regata em terceiro da geral.

Mas se calhar, caso tivesse ficado calado logo na véspera quando veio falar no brio e profissionalismo, nem Naide Gomes teria sido eliminada, nem Gustavo Lima teria ficado em 4º. Não quero dizer que a culpa do fracasso destes atletas é de um dirigente, longe disso. O mérito quando ganham é deles, a responsabilidade pelo fracasso é, em última análise, deles também. Mas que não ajuda ter a sua dedicação posta em causa na véspera da prova decisiva, lá isso não.


Nota 1: Gustavo Lima tem 31 anos e é velejador profissional do Clube Naval de Cascais. Participou pela terceira vez nuns Jogos Olímpicos. Foi integrado no projecto Pequim 2008 em Setembro de 2004 no nível II (bolsa de 1000 euros/mês). Entre 08/2006 e 07/2007 esteve integrado no nível I (bolsa de 1250 euros/mês), voltando ao nível II em 08/2007.

Nota 2:Emanuel Silva tem 22 anos e estuda no 12º ano. É atleta do Clube Náutico do Prado. Participou pela 2ª vez nos Jogos Olímpicos. Está integrado no projecto Pequim 2008 desde Setembro de 2004, no nível II (bolsa de 1000 euros/mês).

7 comentários:

Teté disse...

Em Portugal, passar de bestial a besta (ou vice-versa) é fáááciiill...

Segundo creio, não são os impostos dos portugueses que pagaram as bolsas aos atletas olímpicos, mas sim a Santa Casa da Misericórdia (com o rendimento dos totolotos, totobolas, euromilhões, etc. e tal).

Já mesmo no finzinho, suponho que te enganaste ao dizer bolsa nível II (de 1250 euros), que suponho essas serem as de I.

Quanto ao Vicente, concordo absolutamente contigo: não foi ele o "culpado" do resultado dos atletas, mas declarações esparvoeiradas nas vésperas das provas não contribuem para a serenidade desejável dos atletas. E por isso sim (e por também ter enviado o outro de "castigo" para casa), continuo a achar que merece sair lá da Presidência! :)

Nelson disse...

obrigado pela correcçao da gralha. Vou corrigir.

Anónimo disse...

«Foi integrado no projecto Pequim 2008 em Setembro de 2004 no nível II (bolsa de 1000 euros/mês). Entre 08/2006 e 07/2007 esteve integrado no nível I (bolsa de 1250 euros/mês), voltando ao nível II em 08/2007.»

Onde é que eu posso encontrar referências sobre isto?

Ana disse...

E assim vai a nau catrineta...

Nelson disse...

Manel:

No site da Missão de Portugal aos Jogos de Pequim, pode ler-se na biografia de cada atleta quando foram integrados no projecto e em que níveis.

Endereço: http://www.pequim2008.com.pt/index.php

Quanto aos valores das bolsas correspondentes a cada nível, isso está no contrato-programa entre o estado português e o COP, que pode ser lido na íntegra no documento

http://www.comiteolimpicoportugal.pt/attach_files/project_file_7.pdf

O valor das bolsas aparece no anexo ao contrato, cláusula V.6 (página 6 do documento PDF)

Nelson disse...

Nota: o contrato foi aditado (pode obter-se o aditamento ao contrato na página http://www.comiteolimpicoportugal.pt/projectos.php?id=1#file,
mas as alterações dizem respeito apenas às bolsas a atribuir no caso de atletas individuais membros de equipas qualificadas. Por exemplo, no caso do ciclismo, Portugal tinha 3 lugares atribuidos pelo seu ranking na UCI, e compete à Federação Portuguesa de Ciclismo a escolha dos 3 atletas que integram a equipa. Os atletas escolhidos, mesmo não tendo resultados anteriores, são também integrados no programa de preparação olímpica.

Nuno disse...

na canoagem só falta referir que se tivermos um local de treino
no permanente em condições ajuda não só os atletas portugueses como os estrangeiros que vêm cá testas os caiaques Nelo. Referir que em Atenas e se não estou em erro os "Nelo" ganharam mais de metade das medalhas em disputa. :)
e de certeza que eles teriam todo o gosto em ajudar jovens promessas portuguesas como já o fazem com a actual selecção nacional.