01 setembro 2008

JO2008 - Parte XIV, O dinheiro dos contribuintes

Este post faz parte de uma série dedicada à participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim. É aconselhável ler também os posts anteriores.



Se há coisa que a malta gosta de puxar à conversa é o "dinheiro dos contribuintes". De cada vez que o tuga quer reclamar de alguma coisa surge o assunto do dinheiro público à baila.

Na Expo 1998 houve muita gente a queixar-se do dinheiro público e o mesmo se passou com o Euro-2004. Questiona-se o gasto de dinheiro público com o TGV, com a OTA. E este ano, surgiu uma novidade: questiona-se o dinheiro púlico gasto com a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos.

Mas... quanto foi o dinheiro dos contribuintes gasto com a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim? A resposta é: 14 milhões de euros. Nem mais, nem menos. Foi esta a verba atribuída pelo estado ao Comité Olímpico Português, para preparação da participação portuguesa: subsídios a federações, despesas com o programa, criação de infra-estruturas, bolsas a atletas, bolsas a treinadores, etc.

Só como curiosidade, a RTP investiu (ou gastou, depende da perspectiva) 22 milhões de euros para adquirir os direitos de transmissão dos jogos da I Liga de Futebol em canal aberto (a Sport TV continua a deter os direitos para a competição mas ao abrigo do serviço público 1 jogo semana é transmitido em canal aberto). Não ponho em causa o investimento (ou despesa, depende da perspectiva) da RTP nas transmissões futebolísticas, mas não gosto que haja dois pesos e duas medidas.

Do orçamento do COP para a preparação dos Jogos Olímpicos de Pequim quanto é atribuído aos atletas? Com que critérios? Como são avaliadas as suas prestações?

Bom, aqui vêm os números, cada um avalie por si: Um atleta é integrado no programa olímpico ao atingir resultados de relevo. Estes podem ser resultados em provas do programa olímpico, Campeonato do Mundo ou Jogos Olímpicos. No caso de Campeonatos da Europa compete à Federação respectiva a criação de critérios adequados.

E os critérios são:
- Um atleta medalhado (3 primeiros lugares) é integrado no nível I;
- um atleta finalista (8 primeiros classificados) é integrado no nível II;
- um atleta semi-finalissta (10, 12 ou 16 primeiros classificados) é integrado no nível III;
- um atleta pode ser ainda integrado no nível IV, dependendo de critérios específicos de um determinado evento ou modalidade (por exemplo, atingindo os mínimos de qualificação).

Aos atletas do programa olímpico são atribuidas bolsas, cujo objectivo é financiar a sua actividade. Estas bolsas são de:
Nível I: 1250 Euros/mês
Nível II: 1000 Euros/mês
Nível III: 750 Euros/mês
Nível IV: 500 Euros/mês.
Semestralmente, o desempenho do atleta é avaliado e de acordo com os resultados obtidos será atribuido um nível para o semestre seguinte. Dependendo dos resultados há períodos de permanência mínima no projecto. Por exemplo, um finalista olímpico tem garantida a sua continuidade durante todo o ciclo olímpico seguinte; um semi-finalista tem a sua continuidade assegurada durante 2 anos. Mas... e alguém que fique aquém das expectativas, por exemplo Naide Gomes? Pode ler-se no contrato-programa que "Quando um atleta for excluído do projecto por incumprimento dos objectivos desportivos, beneficia de uma continuidade do apoio de 50% da bolsa de nível 3, por um período máximo de três meses". Ou seja, como Naide ficou claramente aquém das expectativas, quer dizer que vai receber 375 euros durante 3 meses. Depois, ou bem que tem resultados de topo para mostrar ou deixa de receber bolsa.

Além das bolsas para a preparação olímpica, há prémios para os atletas que atingem medalhas. Segundo ouvi na comunicação social, Nelson Évora irá receber 30 mil euros do COP como prémio pela medalha de ouro.

Para Londres 2012 o COP propôs ao governo um aumento de 14 para 17 milhões de euros (aumento de 20%) e o aumento das bolsas de preparação olímpica para, respectivamente, 1500, 1200, 900 e 600 euros/mês. Já é qualquer coisa, mas acho que continua a ser um projecto modesto e por isso apenas pode almejar a resultados igualmente modestos.

Mesmo sendo realidades totalmente distintas, gostaria de lembrar o caso do futebol: no mundial de 2006 os jogadores da selecção portuguesa receberam, de prémio de participação, 50 mil euros cada um. Isto é independente dos resultados. Não sei qual o montante dos prémios em caso de vitória no mundial (espero bem que sejam avultados!) nem qual o prémio efectivamente pago pela presença nas meias-finais. No Euro-2008 foi noticiado que o prémio em caso de vitória seria de 300 mil euros a cada atleta. Não sei (porque não foi anunciado) qual o montante do prémio de presença pago pela FPF. Não quero contestar os valores pagos ao futebol, acho que é dinheiro bem empregue. Além disso, é dinheiro da FPF que faz com ele o que bem entende. Mas gostaria de apontar o paradoxo de o prémio a ser pago aos futebolistas da selecção nacional em caso de vitória no Euro-2008 chegar para cobrir METADE do programa olímpico. Ou seja, seria suficiente para pagar a totalidade das despesas do COP (bolsas, infra-estruturas, viagens e ajudas de custo, formação, despesas administrativas) durante 2 anos!!! Das duas uma: ou a FPF paga muito ou o COP paga pouco. Eu voto na segunda.

E como acho que não são as verbas que a FPF disponibiliza que devem ser contestadas, fui procurar informações sobre outras selecções olímpicas. Encontrei dados referentes a 3: a preparação olímpica espanhola para os jogos de Barcelona 1992, a preparação olímpica inglesa para Pequim e a preparação olímpica Chinesa para Pequim.

Penso que o caso espanhol deve servir-nos de modelo e o caso inglês deverá ser um objectivo. Não tanto pelos números, mas sobretudo pela forma como conseguem obter os financiamentos necessários.

O caso espanhol
Espanha foi anfitriã dos jogos de 1992 e investiu seriamente na preparação dos seus atletas. O objectivo era obter a melhor participação de sempre e deixar as bases para uma melhoria significativa dos resultados olímpicos para o futuro. O objectivo foi, a todos os níveis, conseguido. De entre os vários números que podemos consultar no documento, saliento os valores obtidos através de patrocinadores (7 mil milhões de pesetas, 42 milhões de euros), e os valores das bolsas aos atletas olímpicos, entre 840.000 e 7.800.000 pesetas anuais (entre 5 mil e 47 mil euros anuais), sendo o valor médio de 3 milhões de pesetas por atleta (18 mil euros, ou seja, 1500 euros/mês). E isto era em 1992, há 16 anos, numa altura em que se faziam campeões olímpicos por muito menos que agora!

O caso inglês
Em antecipação à organização dos jogos de 2012 a Inglaterra aumentou substancialmente o seu investimento. Dos 59 milhões de libras (cerca de 70 milhões de euros) para Sidney e 70 milhões para Atenas (90 milhões de euros) passou para 235 milhões para Pequim (cerca de 300 milhões de euros). (Nota: usei como taxa de conversão 1.3; o euro neste momento está valorizado em relação à libra, mas é um fenómeno relativamente recente, sendo 1.3 um valor mais justo para fazer a comparação a longo prazo; a libra chegou a valer 1.6 no início de circulação do Euro). Como resultado, obtiveram em Pequim 47 medalhas (19 de ouro). O ratio investimentos/medalhas para Portugal e Grã-Bretanha é mais ou menos id~entico (cerca de 7 milhões de euros por medalha conseguida). Ou seja, os nossos resultados estão perfeitamente enquadrados dentro do investimento realizado.

Note-se no caso inglês que, tal como nós, possuem vários níveis de apoio aos atletas. Os ingleses usam apenas 3 níveis: podium, development e talen. Podium é o nível onde são integrados os atletas com boas perspectivas de obtenção de medalhas olímpicas; development é a segunda linha de investimentos; talent é o equivalente ao nosso programa de Esperanças Olímpicas (que é uma novidade por cá: desde 2005 decorre o programa Esperanças Londres 2012 e vai arrancar agora o programa Esperanças 2016). A diferença está nos números: A grã-Bretanha tem mais de 1500 atletas nos níveis Podium e Development. Sendo que apenas 300 e tal foram integrados na equipa olímpica. Ou seja, a sua "pool" de atletas é grande, permitindo à chegada aos jogos seleccionar apenas os que estão em melhor forma. Em Portugal, por outro lado, praticamente todos os atletas no programa olímpico são seleccionáveis, já que não temos mais por onde escolher. Na maior parte das modalidades ou eventos temos apenas 1 atleta de nível internacional, capaz de fazer mínimos.

O caso chinês
O caso chinês, obviamente, não serve de exemplo para ninguém. A partir de 2000 o investimento anual cifrou-se em mais de 700 milhões de dólares anuais! O que dá 2.800 milhões de dólares por cada ciclo olímpico!!! São números avassaladores, que só podem ser conseguidos por governos ditaturiais com uma base de contribuintes na casa do bilião. Claro que alguma coisa fica para trás, e num país ainda muito pobre (para a esmagadora maioria da população), gasta-se mais que em qualquer outro no programa olímpico. Mas serve de lição: sem ovos (guito!) não se fazem omeletes (campeões olímpicos). E se queremos muitos campeões, temos de gastar muito, mas mesmo muito dinheiro.

Voltando ao nosso caso
O investimento português é razoável e estão a criar-se condições para que os resultados apareçam no longo prazo. Infra-estruturas, centros de alto rendimento, apoio aos clubes, às federações. Mas demora tempo. E aos 4 milhões de euros por ano vai demorar muito até conseguirmos sequer apanhar países como a Holanda, por exemplo (a Holanda tem cerca de metade da nossa população e conseguiu 16 medalhas, sendo 7 de ouro). Espero que com estes números a nossa participação, bem como os objectivos traçados ao início, possam ser devidamente analisados, em condições justas.

E que, de futuro, se pense mais nas modalidades desportivas além-futebol. Ou então, que nos deixemos de preocupar com os resultados dessas modalidades e assumamos por uma vez que apenas o futebol interessa. Durante 4 anos ninguém ouve falar da preparação olímpica e a cada 4 anos vem toda a gente pedir contas do que se fez com o dinheiro. Como se fosse uma grande fortuna. Como se ser atleta olímpico em Portugal fosse o caminho mais fácil para uma vida financeiramente desafogada.


Referências:
- Página do COP sobre o programa Pequim 2008 (ao fundo da página têm os links relevantes)
- A participação do CO Espanhol no sucesso de 1992 (PDF)
- UK Sport a entidade responsável pela preparação olímpica britânica
- Artigo de opinião sobre o investimento chinês

14 comentários:

Anónimo disse...

Li na diagonal e pode-me ter escapado, mas farás ideia de quanto gastam os americanos?

Ana disse...

" Se há coisa que a malta gosta de puxar à conversa é o "dinheiro dos contribuintes". De cada vez que o tuga quer reclamar de alguma coisa surge o assunto do dinheiro público à baila. "

CLAP CLAP CLAP CLAP

posso usar esta frase e emailar?... ;-)

Ana disse...

Mas espera, ou então escapou-me, o dinheiro não vinha das receitas do euromilhões, da santa casa?

Anónimo disse...

Nelson, será que me podes responder a esta questão:
- qual é a percentagem do salário do selecionador de futebol nacional que vem do "dinheiro dos contribuintes"?
Obrigada.

Bruno disse...

O dinheiro vem directamente do Orçamento de Estado, mais propriamente da sub-parcela relativa à Secretaria de Estado da Juventude e Desporto.

De referir que a Expo só deu lucro com a revenda dos terrenos para construção, e o Euro deu lucro mas poderia ter dado mais, caso não se tivessem feito 5 estádios, 1 WC, 1 pré-fabricado e 3 mamarrachos sem utilização premente. O TGV e a OTA são casos completamente distintos e que nada têm a ver com esta luta (até pelos valores envolvidos e necessidade das obras).

Antes de mais, o problema essencial do português foi ter sido enganado por terem colocado a fasquia altíssima. Deu barraca (aliás, é típico do português em grandes competições internacionais) e o tuga pede contas:
- Quem pagou aos calões?
- O Estado.
- Ah, então foi com o MEU dinheiro...
Então busca-se um "bode" (desta vez foi o Marco da "Caminha") e critica-se a atribuição. Perfeitamente normal num país onde o PM anuncia 3 vezes a mesma coisa. Não podes culpar o tuga que está permanentemente habituado a ser cilindrado com publicidade idiota nos telejornais, dia após dia.

Para finalizar, duas coisas (que isto já parece post e não comentário):
1. Foram 17 milhões e não 22 que a RTP pagou. 22 é o que a TVI diz ter apresentado como proposta. E respondendo à tua dúvida, é um investimento, porque o que se ganha em publicidade só este ano chega e sobra para pagar esses 17 milhões.
2. É inacreditável como ainda não li um post decente sobre o verdadeiro culpado de todas as trapalhadas relativas aos JO: Vicente Moura.

Ana disse...

prontos nelson, vais ter de escrever um poste decente sobre o vicente moura (embora eu pensasse que já o tinhas feito... :-p :D).

Então,de onde surgiu a ideia de que o dinheiro vem da santa casa?

Ana disse...

então, nelson, fugiste com o dinheiro dos contribuintes, foi??? =D

Anónimo disse...

Então jovem!!!!!????????? De férias outra vez?

Anónimo disse...

Uma curiosidade, os gestores das empresas públicas levam 34 milhões ao ano. Por isso...

Anónimo disse...

Média de 6600 euros ao mês por cabeça, convém acrescentar.

Berserck disse...

oi.
Enganaste-te no salário dos atletas espanhóis:
1800/12= 1500 e não 2500
a menos que em Espanha só hajam 7 meses :P

Nelson disse...

Desculpem a demora nas respostas aos comentários. Vou tentar responder a todos:

abc: não faço ideia, não encontrei referências. Imagino que será pelo menos umas 2 ou 3 vezes o que gastam os britânicos.

grafonola: A lei diz apenas que são verbas vindas do Estado. Se são as receitas da lei do jogo que são usadas ou não, não vi. É capaz de estar explícito no contrato programa (link na página do COP).

t: Não faço ideia, imagino que sejam exclusivamente verbas da FPF. A FPF, sendo uma entidade de interesse público terá apoios estatais a alguns dos seus investimentos e projectos, mas não sei quanto. Nem acho particularmente relevante, o meu objectivo com a comparação futebolística não é atacar os investimentos com o futebol, mas sim apontar que tendo em conta as diferenças de investimento deve também haver diferenças de exigência, que sem ovos não se fazem omeletes.

bruno: concordo que os projectos que referi são completamente ao lado. O objectivo era apenas comparar números, porque fartei-me de ler opiniões que dão a entender que o investimento público no COP é astronómico. Duas rotundas em qualquer cidade de interior custam quase isso.
Sobre os 17 vs. 22 milhões: mudam os números mas não o objectivo da comparação; continua a ser mais dinheiro. Também concordo que é investimento, deixei a menção entre parêntesis à "despesa" como provocação; e funcionou ;)
Sobre o Vicente Moura: last, but not least. É o protagonista da conclusão (desculpa lá a demora no post). Mas já tinha sido referido em 2 posts: o post sobre as expectativas, da sua exclusiva responsabilidade, e no post sobre a Vanessa Fernandes em que falei também no anúncio da sua renúncia.

joaogon: não pá, quem me dera! Foi em trabalho.

abc: sim, mas em relação a salários eu tenho uma máxima: cada um merece ganhar o que outro está disposto a pagar-lhe. Eu não me importaria com os salários dos gestores públicos desde que os critérios de contratação desses mesmos gestores fossem mais sólidos.

berserck: obrigado pela nota, vou corrigir. Foi lapso motivado pela pressa (o post foi acabado com a minha boleia à minha espera para fazer umas centenas de quilómetros). Mantém-se a validade da comparação, embora diminua drasticamente a escala: há 16 anos Espanha pagava em média mais que nós pagamos agora aos atletas de topo.

Anónimo disse...

Ninguém nega isso (do salário). Agora que eles sejam escolhidos e mantidos de acordo com a sua competência e resultados em vez da cor partidária já parece haver dúvidas não que não haja casos dentro da primeira situação.

Nelson disse...

sim, mas isso já são contas para outros posts. Esta série é sobre os Jogos Olímpicos.