20 setembro 2008

Nacionalizações

A crise do subprime está aí em força e os EUA anunciaram que vão investir, há quem fale em um milhão de milhões de dólares (soa mal, mas se dissesse um bilião podia-se perceber que queria dizer mil milhões e mil milhões de dólares... bom, são trocos!), para salvar os bancos, fundos e seguradoras ameaçados de falência.

Na prática o que se está a fazer é compensar com dinheiro público a exposição dos privados aos créditos e investimentos de alto risco. Ou seja, quando a coisa aperta, nacionaliza-se parte da banca para aguentar o barco.

Não quero entrar em juizos de valor sobre ao mérito das medidas, haverá gente bem informada que disso percebe mais que eu, mas gostava de enfatizar a minha surpresa ao ler no site do Público o anúncio de uma gigantesca operação de nacionalização da banca precisamente nos EUA, pátria do capitalismo e o principal opositor a qualquer regime de nacionalizações. Que quase não possui sistema público de saúde, nem sistema público de educação, nem sistema público de nada.

Mas que, quando os calos de quem tem dinheiro se apertam, se apressam em nacionalizar a banca. Quem durante 20 anos andou a ganhar rios de dinheiro com a promessa de rendimentos milionários com investimentos arriscados agora chora que perdeu tudo o que tinha. E o governo, usando o dinheiro de todos, corre a acudir.

A vida tem destas ironias...

22 comentários:

adavid disse...

LHC parado => tempo para comentar.

Acho que ha uns dias tinha ouvido alguem dizer que o Bush tinha feito muito bem em nao subsidiar a banca... Mas como eh que um pais que gasta resmas de dinheiro por dia nas guerras vai agora ainda gastar outra resma (ou sera que nao eh assim tanto) a subsidiar a banca?

Estamos aqui, estamos todos a mandar ajuda humanitaria.. err.. financeira para que os EUA nao levem a economia mundial abaixo. Como eh que um mercado de 300 milhoes pode ser assim tao influente?

adavid disse...

Alias, ate o McCain esta contra

Nelson disse...

não é um mercado de 300 milhões. Isso é peanuts. Só para cobrir os prejuizos da AIG foram precisos 80 mil milhões.

As perdas até ao momento cifram-se numas largas centenas de milhar de milhão de dólares.

Presumo que seja um negócio de vários milhões de milhão de dólares...

Não me admira que o McCain esteja contra. A maior parte dos votantes não ganha nada com isto não quer ver o dinheiro dos seus impostos a proteger o traseiro de uns quantos banqueiros.

O que se vê é um democrata a apelar ao grande capital apoiando a medida e um republicano a apelar à classe média condenando-a. É o que acontece quando há confiança na sua base de apoio, tenta-se conquistar a base de apoio do adversário.

Nelson disse...

PS: já sabem quando é que vão destruir o mundo ou ainda é cedo para anunciar uma data? ;)

Anónimo disse...

Quem sofre com isto não são os tubarões de Wall Street Nelson. Quem sofre são os pobres coitados individuais que ficam com dinheiro, empregos, linhas de crédito, etc mal parados nestas empresas. Os tipos que andam há 20 anos a fazer rios de dinheiro no sistema podes ter a certeza de que se prepararam para este tipo de cenário.

Ainda assim, acho esta nacionalização estúpida e pouco produtiva, sobretudo porque o dinheiro não vai para o zé povinho que ficou sem emprego e ainda tem o empréstimo da casa para pagar e agora com taxas mais altas. Em vez disso vai para o bolso de empresas que demonstraram uma incapacidade gritante de não meter a pata na poça. Repara que nem é para os ditos tubarões, que aí até se podia insinuar alguma espécie de favoritismo; não, é mesmo para empresas inteiras para as salvar da sua própria incapacidade.

Em minha opinião, era de deixar as empresas afundar-se e usar o dinheiro para amparar o mexilhão que se lixou a sério. Só assim é que se enviava um sinal sério para o mercado em geral, a dizer que não há quem salve os incompetentes. Isso é que era capitalismo a sério.

Pedro Pinheiro disse...

O problema, Queiró, é um e um só: Cai o Lehman Brothers, e outro que me escapa agora é salvo in extremis pela compra pelos ingleses. Como consequência directa, a AIG fica a dever fortunas em seguros que vencem, e em risco de falir.

Ora, acontence que é prática comum as seguradoras segurarem-se umas às outras. Isto porque seguros são um negócio que implica investir aquilo que recebes dos segurados, portanto raramente tens liquidez suficiente para pagar "muita" coisa. Portanto se tens de pagar mais do que tens à mão, activas o seguro com a outra seguradora, e tens mais dinheiro em caixa e não precisas de liquidar outros activos.

Se considerarmos por exemplo o caso do Katrina o ano passado, só com mecânicas destas é que todos os seguros que foram activados na altura não tiveram efeitos *mais* fortes ainda na economia inteira dos EUA: O efeito total é distribuído, como que um buffer que absorve o impacto.

Mas quando há merda no ventilador a sério as coisas são mais chatas. Uma seguradora grande vai ao chão, vão todas. Sim, é dinheiro público a ser enfiado numa empresa privada para a salvar das suas próprias asneiras (mais correctamente, para a salvar de ter segurado asneiras doutros gajos). Mas o enquadramento geral é outro: é dinheiro público injectado no elo mais fraco para garantir que a corrente não se desfaz toda.

(Dito isto, concordo com o McCain: é preciso mais transparência, e "With billions of dollars in public money at stake, it will not do to keep making it up as we go along")

Anónimo disse...

O problema com esses salvamentos é que não castigam a incompetência como deve ser. Da próxima vez que estas companhias olharem para investimentos duvidosos vão assumir que se a coisa der realmente para o torto o estado entra para as salvar. Isso não é a atitude que se deve encorajar.

Pedro Pinheiro disse...

Salvar a economia é estritamente mais importante que castigar os culpados.

Ou preferes deixar a economia colapsar só por despeito aos FDPs que fizeram asneira?

É claro que a coisa não pode ficar por aqui: Depois da injecção de guito tens de fazer uma mega-auditoria à empresa e despedir/multar/prender (as appropriate) toda a gente que tenha metido a pata na poça a sério.

adavid disse...

Mehh... Nós bem que estamos a tentar por a coisa a funcionar.

Na sexta houve um quench no sector 3-4 que mobilizou todos os recursos da brigada de bombeiros do CERN, de tal forma que as experiências (incluindo CMS) se desligaram.

Conclusão? Eu tenho tempo para posts com acentos e cedilhas e hoje ainda não houve um único email na minha mailbox do CERN!

Nelson disse...

Pedro: "quando há merda no ventilador" é uma tentativa de tradução de "when the shit hits the fan"?

Adavid: pois, às vezes há merda no ventilador e apanham todos por tabela ;)

adavid disse...

Há uma coisa sobre ventiladores que eu não posso deixar de escrever.

Aprendi-a aqui no CERN com um colega da Sardegna e é mais ou menos assim:

Fanculo => Fan cooler => Ventilconvettore

Ainda me lembro de o ouvir a primeira vez a gritar com uma placa de electrónica: 'Ma va ventilconvettore!'

É do mais espectacular que eu conheço na categoria de 'lost in translation'.

Nelson disse...

Umas que funcionas muito bem na categoria de lost in tralslation são:
"Há piores" ou "Manda a faca"; berrar qualquer uma destas expressões num local carregado de anglófonos funciona lindamente. Convém falar depressa.

Nelson disse...

funcionam, e não funcionas. typo.

Nelson disse...

uma última nota sobre as nacionalizações: o plano ficou aquém do inicialmente esperado. Afinal, são "só" 700 mil milhões de dólares. Uma bagatela.

Pedro Pinheiro disse...

"shit hits the fan" não perde qualquer tipo do seu charme por ser traduzido para "merda no ventilador".

Anónimo disse...

Não posso deixar de concordar com o Queiró. Estas medidas são uma mensagem terrível para o sistema.

Não me vou alongar porque não me apetece mas o que é certo é que a administração Bush cortaram os impostos das empresas para lhes facilitar a vida abrindo assim mão de receitas eventualmente aplicáveis em interesses comuns à sociedade e agora injectam milhões nas companhias que andar a jogar à roleta.

Os gestores das Lehmann Brothers comeram 6 mil milhões de dólares em prémios o ano passado, os da AIG outra coisa do género precisamente pelos lucros que conseguiram nos tais jogos de alto risco. Agora que as coisas caiem todas vêm o Estado salvar-lhes a vida. Resultado a curto prazo evita desemprego mas a longo prazo cria uma cultura de contar com a banca estatal e o dinheiro do contribuinte para sustentar as jogadas de alto risco de um grupo de pessoas que tem muito a ganhar e pouco a perder com estas brincadeiras (falo dos mega gestores e consultoras) que nunca ou raramente são responsabilizados judicial ou até mesmo mediaticamente pelas desgraças que muitas vezes provocam.

Preferia que abrissem os cordões à bolsa para ajudar os trabalhadores afectados que a sustentar estes gigantes de pés de barro e possivelmente criando uma cultura de responsabilidade mais saudável a longo prazo.

Pedro Pinheiro disse...

Preferia que abrissem os cordões à bolsa para ajudar os trabalhadores afectados que a sustentar estes gigantes de pés de barro e possivelmente criando uma cultura de responsabilidade mais saudável a longo prazo.

Falsa dicotomia. Podes fazer ambas as coisas.

Está tudo preocupado com apontar o dedo a quem meteu o dinheiro dos contribuíntes nas empresas, e que tal isto: A bolsa caiu como na terça feira negra em 1929. As consequências de ficar parado podiam ter sido iguais. Aliás, só espero que este investimento dos EUA tenha evitado tal sorte.

Mas em vez disso, a opinião pública é que se devia ter dado uma lição aos empresários mausões e não ter dado o dinheiro às empresas. Os anglófonos têm uma boa expressão sobre tal ideia: "Don't cut off your nose to spite your face"

Ana disse...

Quando há dinheiro metido pelo meio, a discussão adensa-se... :-p

Anónimo disse...

Pedro, excepto tu, ninguém fala em apontar dedos mas meramente em manter a consistência de um dado sistema para evitar a repetição de situações como esta.

Vir dizer que qualquer uma das duas correntes principais nesta discussão está correcta ou incorrecta é no mínimo redutor.

Discute-se aqui a escolha de uma solução em detrimento da outra e o máximo que podes dizer com alguma segurança é que a solução adoptada é melhor que as alternativas e vice-versa. E mesmo isto não passa de especulação uma vez que nunca saberemos quais os resultados das soluções alternativas e não há provérbio anglo-saxónico, português ou chinês que permita contrariar isto.

Nelson disse...

"o máximo que podes dizer com alguma segurança é que a solução adoptada é melhor que as alternativas e vice-versa"

Acho que querias dizer "OU vice-versa".

"E vice-versa" contém uma contradição em termos. :P

Anónimo disse...

Sim, enganei-me. Não costumo ter grande paciência para rever o que escrevo e às vezes dá buraco. Sim, sei que devia fazê-lo para evitar mal entendidos.

Anónimo disse...

Obrigado pela correcção. :)