16 setembro 2008

(Ainda o) Subprime

E a crise lá continua, impávida e serena, apesar dos esforços de todos nós em fingir o contrário...

Para quem (ainda) não sabe o que é a crise do subprime, aqui ficam as ideias principais: há muito tempo uma pessoa que não tinha rendimentos para pagar um empréstimo tinha sérias dificuldades em conseguir a aprovação da hipoteca. Mas isso foi antes da securitização. A securitização consiste em vender hipotecas aos magotes a fundos de investimento de alto risco (e alta rentabilidade quando a coisa corre bem, claro). Um banco faz 30 mil hipotecas, dessas 3 mil são de gente que mal consegue pagar a bica todos os dias, mas como as outras 27 mil são quase isentas de risco, o pacote de hipotecas vende-se facilmente por duas razões: em primeiro lugar, porque o risco médio é baixo; em segundo lugar porque em clima de expansão económica há uma forte probabilidade de valorização dos activos no curto prazo, pelo que, caso um devedor falhe os seus compromissos, a garantia pode sempre ser vendida por um valor igual ou superior ao valor da dívida. A subsequente procura imobiliária levou a um aumento sem par nos preços das casas, a famosa bolha especulativa. Mas, como todas as bolhas, esta rebentou: começaram a aparecer as hipotecas em execução, os imóveis desvalorizaram (na Europa pela subida da taxa de juro, nos EUA porque a seguir a um período de expansão económica vem, naturalmente, um período de arrefecimento), e de repente aqueles grandes pacotes de hipotecas valem pouco mais que o papel em que foram escritas.

E foi mais ou menos neste ponto que começaram a chover falências. Depois de uns meses de relativa acalmia, pensou-se que o pior tinha passado. Só que as falências voltaram: ontem foi um grande banco de investimentos, o Lehman Brothers, a anunciar a sua falência, depois de anunciar perdas de quase 4 mil milhões de dólares por causa da crise e de o seu valor em bolsa ter desvalorizado uns módicos 94% só ESTE ANO!!!

Agora é a vez da AIG, uma grande seguradora (que também tem voto na matéria, porque deu o aval a muitos negócios do subprime e agora tem de pagar os seguros) que, ao que parece, tem de reunir uns módicos 75 a 80 mil milhões de euros até AMANHÃ! E neste momento convém fazer um parêntesis. Um parêntesis tão grande que até dá jeito fazê-lo num parágrafo à parte.

(apesar de ser num parágrafo à parte continua a merecer um parêntesis como deve ser; 75 a 80 mil milhões de dólares é qualquer coisa como 53 a 56 mil milhões de euros; ou seja, mais ou menos um quarto do que vale a economia portuguesa por ano; quer dizer que se todos os portugueses trabalhassem apenas para sustentar este gigante era preciso esperar 3 meses para conseguirmos tapar o buraco; isto é bué guito. Mas para se perceber melhor, aqui fica a comparação: 50 mil milhões de euros é o equivalente a:
- 3 meses de produção da economia portuguesa, mais coisa, menos coisa;
- 50 anos de Imposto Sobre o Tabaco cobrado pelo estado português, mais coisa, menos coisa;
- 25 aeroportos de Alcochete
- 500 estádios de futebol à la Euro 2004 (a 100 milhões cada um)
- 5000 jackpots do Euro-milhões (a 10 milhões cada um), ou seja, 96 anos de Jackpot
- 2 milhões e meio de automóveis utilitários a gasóleo (a 20 mil euros cada)
Basicamente é dinheiro que nunca mais acaba! Se fosse angariado e distribuido pelos portugueses dava 5 mil euros a cada um, incluindo recém-nascidos, velhos e gente que não sabe contar até 5000)

Feito o parêntesis para que se perceba do que estamos a falar, convém referir que esta crise traz aspectos positivos e aspectos negativos. Assim de repente apetece-me referir 1 de cada:

Aspecto positivo: Hoje o petróleo abriu em queda, baixando dos 90 dólares em Londres; isto é bom, porque daqui a 15 dias volta a baixar o gasóleo e sou capaz de ter de atestar por essa altura (ando tão pouco de carro que posso escolher em que altura é que me dá mais jeito atestar o depósito em função da cotação do Brent)

Aspecto negativo: A eventual falência da AIG vai afectar todos os portugueses naquilo que nos é, como povo, mais querido: Futebol. É que a AIG é o principal patrocinador do Manchester United onde jogam Cristiano Ronaldo e Nani. E sem patrocinador, os pobres rapazes podem vir a passar dificuldades, sabe-se lá se o Cristiano vai conseguir acabar de pagar o Rolls... ou era um Bentley?

11 comentários:

ana rita disse...

outra tabela de conversoes: http://www.howmuchdoesitbuy.com/

Nelson disse...

rins? carcaças de porco? implantes mamários?

Adorei o site!

Sun Iou Miou disse...

Vou ter de aprender a contar até 5000 desta.

Teté disse...

Futebol é que é o mais querido ao povo português? Olha, assim de repente, só me apetece dizer que devo ter uma costela aristocrata... :D

E quanto a baixarem o preço da gasolina, gasóleo e afins, já hoje ouvi lá um um gajo qualquer da GALP, ou coisa, dizer que a queda do barril não se reflecte imediatamente na descida dos combustíveis! Um queriducho!!! Grrr!

Ricardo Riobom disse...

A crise de que falas é a bonança dos analistas.

Invariavelmente, onde um ganha outro perde.

Nelson disse...

Tete: mas a verdade é que depois da alta da primavera os preços têm baixado consideravelmente. Lembro-me que em Janeiro, o petróleo cotava a cerca de 80 dólares e o gasóleo custava 1,15 ou perto disso.

Actualmente o petróleo está a cerca de 100 (uma descida demora 2 semanas a reflectir-se nos preços) e o gasóleo, da última vez que vi estava a 1,30, depois de ter atingido 1,46 ou perto disso na primavera.

Nelson disse...

ricardo: um analista é alguém que virá explicar amanhã porque é que a previsão de ontem não se verificou hoje. Esses gajos safam-se sempre!

a.i. disse...

um desses analistas, prof de gestão do ISEG, dizia ontem na tv que os activos desse tal banco Lehman Brothers são equivalentes em euros a 3 vezes o nosso PIB...ou seja, seria preciso que todos os lucros dos portugueses e empresas portuguesas se juntassem durante 3 anos e não gastassem um tusto, para equivaler aos activos desse banco que faliu...

De qq modo, a mim o que me impressiona nisto tudo é que certamente seria perfeitamente possível de prever que isto fosse acontecer...o que não abona muito a favor dos gestores e administradores dos bancos e fundos de investimento.
Se há empréstimos de alto risco, então será lógico que depois os bancos fiquem com muitas casas "na mão" (depois de executarem as hipotecas), o que irá fazer descer os preços das casas, porque há muita oferta. Logo, os bancos terão dificuldade em reaver o dinheiro que haviam emprestado.

E agora a AIG também. Esta seguradora é associada do Citigroup (ao qual pertence o citibank, o tal dos mal-afamados cartões de crédito...), que foi quem comprou parte da dívida da segurança social ao estado português. Nunca consegui engolir muito bem esta história da compra de dívidas.
No fim de contas, quem fica a ganhar com isto tudo?

Nelson disse...

tens a causa e o efeito trocados. Não foi a execução de hipotecas que fez baixar os preços. Foi a contracção da economia, que provocou a quebra nos preços e simultaneamente a execução de hipotecas.

O subprime nunca seria um problema enquanto a bolha especulativa aguentasse. Claro que todas as bolhas rebentam, mas enquanto toda a gente ganha dinheiro com a bolha ninguém se queixa. Só quando a bolha rebenta é que todos lamentam não ter abandonado o barco a tempo.

a.i. disse...

eu acho que acaba por existir um aumento da oferta por causa da execução das hipotecas.

Nelson disse...

acho que já havia uma diminuição séria na procura antes; a execução das hipotecas só veio piorar uma situação que já era má...