Este post faz parte de uma série dedicada à participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim. É aconselhável ler também os posts anteriores.
Nelson Évora sagrou-se campeão olímpico no triplo salto. Junta assim o mais cobiçado título do atletismo ao título mundial que conquistou no ano passado e ao 3º lugar nos mundiais de pista coberta em Fevereiro deste ano.
Acho que até é desnecessário dar os parabéns a Nelson Évora. Foi um feito histórico. Tornou-se o 4º campeão olímpico português, depois de Carlos Lopes em 84, Rosa Mota em 88 e Fernanda Ribeiro em 96. Graças a ele pudemos ouvir, 12 anos depois, o hino português no estádio olímpico.
Mas, olhemos com um pouco mais de atenção para o resultado de Nelson Évora. É que classificá-lo de extraordinário é pouco.
À partida havia 14 atletas com records pessoais acima de 17,50m. O líder desta lista é Jadel Gregório, com uns impressionantes 17,90, seguido de Marian Oprea com 17,80 e depois Nelson Évora com 17,74. Contudo, mais relevante ainda que as melhores marcas pessoais é a melhor marca desta época. E nas melhores marcas do ano temos Philip Idowu, o principal favorito, com 17,58, David Girat e Alexis Copello com 17,50 e lá para o meio da tabela, em 12º lugar, temos Nelson Évora em 12º com 17,33.
Note-se que 17,50 já é um salto "estratosférico" numa competição como os Jogos Olímpicos. 17,50 metros garantiram sempre uma medalha nas edições anteriores dos Jogos.
Nelson Évora qualificou-se com 17,34 (melhor marca pessoal do ano) ao segundo ensaio, após ter feito nulo no primeiro. Na final, Nelson Évora começou em segundo, atrás de Idowu que arrancou com um extraordinário 1º ensaio a 17,51. Ao segundo ensaio Nelson Évora melhor para 17,56. Ao terceiro ensaio Idowu faz 17,62 e Levan Sands bate o record nacional com 17,59, relegando Évora para o terceiro lugar. Entretanto Girat está em 4º, com 17,52 a escassos 4 cm de Évora. Se Girat melhorar pode atirar Nelson Évora para fora do pódio!
Não foi isso que aconteceu, Évora melhorou para 17,67 ao 4º ensaio, ninguém mais melhorou e ficou em primeiro. Mas... olhemos um pouco para os resultados:
1. Nelson Évora, 17,67
2. Philip Idowu, 17,62
3. Levan Sands, 17,59
4. David Girat, 17,52.
Destes 4 atletas, 3 deles bateram a melhor marca mundial do ano até aos jogos, que pertencia a Idowu com 17,58. Girat com um excelente resultado fica apenas em 4º.
Nelson Évora ganhou a medalha de ouro por apenas 5cm (a mais pequena diferença de sempre), Sands fica a em terceiro a apenas 8cm da medalha de ouro e Girat, que saltou só 15cm a menos que Évora, fica fora do pódio.
Já deu para perceber o quão à justa foi? Não tira mérito nenhum a Nelson Évora, antes pelo contrário! Foi o mais competitivo concurso de triplo salto da história dos Jogos Olímpicos e Nelson Évora ganhou! Mas... e se?
E se Évora não tem melhorado os seus 17,56, que já eram uma marca extraordinária? Ficaria em terceiro.
E se Évora tem feito apenas 17,51, o que mesmo assim já eram 17cm a mais que a marca da qualificação (e sua melhor da época)? Ficaria em 4º, fora das medalhas. Por uma unha negra, mas fora das medalhas.
E então? O que teria acontecido? Nelson Évora seria apenas "mais um que foi lá para gastar dinheiro e nem uma medalha trouxe". Se tem saltado "apenas" 17,50 teria ficado em 4º, a menos de um palmo da medalha de ouro. E seria mais um a juntar ao rol das "desilusões nacionais".
Mas não foi isso que aconteceu, e ainda bem. Nelson Évora merece mesmo esta medalha, e mostrou que é o melhor triplista da actualidade.
Mas porque é que Évora se torna heroi nacional porque ganhou (mesmo que por uma unha negra), e os que falharam por uma unha negra são umas bestas? Onde está o meio termo? O que é um resultado "assim-assim"? E um resultado "bom, mas não excepcional"?
O que percebi, é que não há. Entre o 8 e o 80 não há nada em Portugal. As coisas são sempre excepcionais. Ou pela positiva, ou pela negativa. O que não deixa de ser estranho num país em que a resposta nº 1 à pergunta "então, como vai a vida?" é "vai-se andando".
As consequências da medalha de ouro de Nelson Évora foram imediatas: de repente fazem-se as pazes com os resultados, os portugueses já podem sentir orgulho na sua equipa olímpica, e a contestação de há apenas 2 ou 3 dias esbateu-se como ruido de fundo entre gritos de "Viva Portugal" e "Somos campeões". Em apenas 2 ou 3 segundos (o tempo que demora a saltar 17,67m) passámos de "os piores" a "os melhores". Até a comunicação social, que aproveitou a escassez de notícias típica de Agosto para procurar polémicas em Pequim, começou imediatamente a falar na "melhor prestação de sempre". 1 dia antes dizia-se que "Vicente Moura não se recandidata face aos maus resultados"; 2 dias antes falava-se na "falta de brio e empenho dos atletas"; Uma semana antes falava-se de "ainda não termos subido ao pódio ao fim de uma semana de jogos". Mas agora, já está tudo para trás das costas. Ganhou, é só isso que importa!
E agora é até escusado virem acusar a comunicação social de ter provocado pressão sobre os atletas. Porque se a Vanessa Fernandes e o Nelson Évora conseguiram aguentar a pressão (são os verdadeiros campeões), os outros também o deveriam ter feito (não serão verdadeiros campeões de certeza). Além disso, esta foi "a melhor prestação olímpica de sempre"!!! E o resto, infelizmente, é só conversa.
Mas sobre os "pecados" da comunicação social falo nos próximos capítulos.
Nota: Nelson Évora tem 24 anos, é estudante do ensino superior e atleta do Benfica. Está integrado no projecto Pequim 2008 desde 09/2005 no nível II (bolsa de 1000 euros/mês), passando ao nível I (bolsa de 1250 euros/mês) em 09/2007. Esta é a sua segunda participação olímpica, tendo ficado em 40º lugar no triplo salto em Atenas.
Próximos episódios:
- Portugueses e estrangeiros
- Uma de ouro, uma de prata
29 agosto 2008
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10 comentários:
Pois, o que interessa é que venha a medalha, se não andaram todos por lá a fazer "turismo" e a ver as vistas...
E tens dúvidas que em vez de "herói", ainda seria possivelmente tachado de turista??? Ná!!! Mesmo que os resultados fossem os seus melhores do ano??? Enfim, é nestas que tenho vergonha dos nossos compatriotas... ;)
Parabéns pelo excelente conjunto de posts que tem escrito sobre o tema. De facto somos excelentes a exigir sos outros aquilo que, de uma maneira geral, não exigimos de nós. O trabalho que os outros fazem é sempre bastante mais fácil de executar que o nosso...
Ah, mas o melhor mesmo é quando alguém diz "olha, assim também eu!"... a história do ovo de Colombo acontece todos os dias por cá.
PS: ainda não acabaram! Pelas minhas contas a série acaba domingo...
Pergunto-me se há bolsas para os tipos dos paralimpicos...
gonçalo
sinceramente, não sei.
penso que há algum tipo de apoios, mas bem inferiores aos dos olímpicos.
vou tentar saber.
Bem, sei que cada medalha de ouro tem prémio (em ambos os olimpicos), mas que o premio da dos paralimpicos é metade da dos olimpicos normais; mais ainda, nos olimpicos normais o prémio é dado por cada medalha de ouro (não sei se há progressão) que o atleta tiver, nos paralimpicos só se recebe pela primeira :)
Não sei se gosto muito de "olimpicos normais" em oposto a paralimpicos...
É verdade, somos um país de 8 ou 80, não há meio termo. Não há valorização pelas falhas por uma unha negra, não há raciocinio, não há ponderação. Só há excessos e uma comunicação social que tem mais de sensacionalista que de jornalista.
Se tivesse de resumir, diria: parabéns a todos os atletas! Vicente Moura, não te recandidates. Comunicação social, que tal uma reciclagem de ética profissional?
Sim, há prémios pela obtenção de medalhas. Salvo erro são 30.000 euros por uma medalha de ouro e 25.000 por uma medalha de prata.
Não sei quais são os valores dos para-olímpicos, mas creio que serão menores, também pele menor visibilidade que o evento confere ao país.
O critério de acumulação de medalhas deveria ser o mesmo, mas nos Olímpicos não há (nem havia) nenhum atleta minimamente capaz de acumular medalhas (há 4 anos havia, o Obikwelu tinhas boas possibilidades de obter duas!), pelo que se calhar ninguém se lembrou de limitar o prémio. É uma informação que tentarei confirmar.
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