04 março 2008

Diferenças

Entre andar de carro e andar de transportes há muita coisa que é diferente. A começar pelo meio de transporte, mas isso parece-me óbvio. As alterações de percurso também não justificam o trabalho de escrever sobre o assunto.

Mas há diferenças, e notórias, nas pessoas. Nos seus hábitos, na forma como se relacionam.

Por exemplo, no automóvel as pessoas ouvem rádio ou CD, ao passo que nos transportes ouvem o leitor de mp3. Há excepções, claro, e há quem ouça mp3 no autorádio do carro e há quem ande de transportes a ouvir rádio ou a ouvir música em CD (ainda há discman?!).

Nos transportes as pessoas lêm um jornal de distribuição gratuita. Pegam num exemplar e levam-no consigo. E vão lendo ao longo da viagem. Os automobilistas, não. Não têm de ir buscar o exemplar, ele é entregue em mão pela janela do carro e não se limitam a pegar num exemplar. Levam um de cada. E acabam por não os ler, limitam-se a passar os olhos pelas gordas, porque o ritmo dos semáforos não o permite.

Contudo, apesar de todas as diferenças, há semelhanças. Uma delas é o aparente gosto pelo risco.

Os automobilistas arriscam um bocado e queimam semáforos vermelhos para tentar parar um pouquinho mais à frente. Com isto não estão a ganhar tempo (o minuto que "ganham" vão perdê-lo no semáforo vermelho seguinte), mas há a sensação de ganho. Nos transportes as pessoas arriscam de forma diferente: correm para o autocarro, chegando a atravessar a rua sem olhar para os dois lados, tentam entrar no metro ou comboio quando as portas já se estão a fechar, arriscando uma valente cabeçada no vidro, para tentar apanhar este autocarro, metro ou comboio em vez do seguinte. O automobilista arrisca um acidente pela ilusão de ganhar 1 minuto. O utente de transportes públicos arrisca-se por um ganho real de 5, 10 ou mesmo 15 minutos. Que depois desperdiça na fila das finanças ou do super-mercado.

Ontem vi um indivíduo (a palavra indivíduo quando usada assim, para nos referirmos a uma pessoa genérica, não identificada, é um bocado parva, mas para o efeito serve) a arriscar uma cabeçada ou um entalão, não para entrar no Metro, mas para sair. O metro pára no Marquês e o indivíduo (lá está outra vez a palavra) só quando as portas já fechavam é que se lembrou que queria sair ali. Largou a correr que nem uma bala e passou pelas portas da carruagem numa cena que fazia lembrar a tentativa do Indiana Jones de recuperar o chapéu quando não sei o quê se estava a fechar.

O que leva as pessoas a arriscarem-se por tão pouco? Concordo que tempo é dinheiro, mas não vale tanto dinheiro assim. E por poupar 5 minutos não me aparece um euro na carteira por artes mágicas. É só uma força de expressão e cai por terra quando as pessoas se atropelam por 3 minutos que depois desperdiçam utilizam a ver uma telenovela ou a fazer o sudoku no jornal do café.

Sempre me intrigou o facto de as pessoas correrem riscos parvos por tão pouco. Ficar entalado entre as portas do metro não é agradável. Só a ideia de ficar preso dá vontade de seguir para a estação seguinte e apanhar outro metro no sentido inverso.

E eu acho que a conclusão está directamente relacionada com esta notícia. A malta tá deprimida, vai ao médico e começa a tomar comprimidos. Os comprimidos não funcionam e continuam deprimidos e sem vontade de viver. E por isso, para tentar apanhar um autocarro, atravessam uma via rápida sem olhar para os dois lados, tentam saltar para dentro de uma carruagem por uma fresta de 30 cm e que se está a fechar, ou passam a 70 km/h por um semáforo que já está vermelho há 5 segundos sem reparar que os carros da outra rua já começaram a andar.

7 comentários:

Teté disse...

Bem visto, Nelson!

Também sempre me fez muita confusão essas pressas para o carro ficar parado 5 metros à frente ou a malta que para apanhar o autocarro atravessa a estrada a correr, sem olhar. Será que as pessoas não pensam no que estão a fazer?

Aqui na 2ª circular, numa altura que ainda havia muita malta a atravessá-la a pé, colocaram lá um cartaz, depois de diversos atropelamentos: "Mais vale perder 5 minutos na vida, do que a vida num minuto!"

Quando à explicação das depressões, acho que não fiquei muito convencida... ;)

a.i. disse...

Eu sou uma "andadora" assídua de autocarros (por varias razoes, a saber, porque moro perto do aeroporto e tenho mtos autocarros para lisboa, porque so tirei carta ha pouco tempo e sp me habituei a ir de transporte para faculdade e dp trabalho e tb porque nao tenho carro pp) e tenho a dizer o seguinte: nao me importo muito de andar, mas irritam-me algumas coisas, como por exemplo, de manhã cedo qd ainda estamos quase a dormir e alguem decide ir a falar altissimo e ainda por cima a contar todos os pormenores das suas vidinhas; outra coisa são as senhoras velhotas, como o devido respeito, que entram e ao verem o autocarro praticamente vazio, decidem sentar-se precisamente no lugar ao lado de alguem (eu) já sentada à janela. Mas porquê??

Nelson disse...

porque os outros cidadãos do mundo apenas existem enquanto obstáculos à tua felicidade. Aposto que se tu não estivesses no autocarro todos falariam baixinho.

a.i. disse...

hahaha!, de facto, ao ler o que escrevi parece um bocado egoísta... mas é verdade!, todas as pessoas que eu conheço que andam de autocarro têm historias assim. Outra: porque algumas pessoas decidem cortar as unhas com o corta-unhas enquanto estão na paragem à espera? ou: pesssoas que chegam à paragem e perguntam se já passou o autocarro nº tal (isto é normal) mas depois começam a explicar PORQUE razão vão apanhar aquele autocarro, que vão visitar a filha, porque ela agora ta a viver nao-sei-onde, porque bla bla bla...

Nelson disse...

em relação às unhas, ninguém sabe. É um mistério da humanidade.

Mas no outro assunto posso ajudar. Quando te perguntarem se "já passou o autocarro nº 279", responde: "Sim, já passou uma carrada de vezes". E se perguntagem "E passou há muito tempo", responde que "Sim". Não é relevante qual a situação em concreto, dá só mesmo estas respostas, assim, secas, e acaba-se a história. A pessoa quanto muito vai falar com outro qualquer a fazer queixas da tua falta de educação e tu vais ouvindo e volta e meia olhas para a velhota (são sempre as velhotas) e deitas-lhe a língua de fora de modo a que toda a gente veja.

a.i. disse...

ok, lol, entretanto esta semana aconteceu uma coisa digna de um post se eu tivesse blog, mas como nao tenho, apetece-me deixar aqui para a posteridade.(atençãoestahistoriaécapazdeserum bocadocompridanaoseassustem) começa assim: o autocarro q eu apanho todos os dias de manha passa no aeroporto e de vez em qd fica la uma data de tempo parado porque o autocarro da frente esta a receber os turistas que chegam carregados de malas e que querem todos comprar bilhete. Nao sei porquâ, mas no autocarro onde eu vou nunca há turistas para entrar mas o motorista tem de esperar q o da frente saia da paragem para poder avançar. Ora, um senhor que devia estar com muita pressa e que já devia ter estado ali parado em outros dias, diz alto e bom: "pronto!, todos os dias é isto!, aqui parado em vez de ultrapassar o da frente!, ISTO É UM PAÍS DE VERGONHA!, é por estas e por outras que há tanta criminalidade neste país!"
eu a partir daqui nao conseguia parar de rir, claro, os sociólogos deviam atentar bem nesta causa para o aumento da criminalidade: o atraso dos autocarros da carris!!!!

Nelson disse...

de facto, isto é uma vergonha de país... tsc, tsc, tsc... onde já se viu, um autocarro esperar na fila que o da frente acabe de receber passageiros? Só em África, decerto.