16 julho 2008

Nuclear? Sim, obrigado.

O assunto voltou à baila e cá tou eu a mandar a minha posta de pescada.

É verdade, eu sou pró-nuclear. E estou a falar a sério, sou mesmo. Apesar de não me sentir confortável com o aumento do nível de radiação na vizinhança nem com o risco de acidente, acho que são uma solução extremamente eficaz para resolver, a prazo, a crise energética. E não estou a ver nenhuma outra forma de ultrapassar a dependência dos combustíveis fósseis, nem daqui a 50 anos. Não há centrais solares nem eólicas, nem das ondas ou marés, nem da biomassa, nem nenhuma fonte de energia "limpa" que nos valha tendo em conta a nossa factura energética. Por isso, a energia nuclear apresenta-se como uma opção, que deve ser analisada.

Com uma ou várias centrais nucleares conseguimos a auto-suficiência energética, e conseguimos produzir electricidade para mover, por exemplo, carros eléctricos (a propósito, a Nissan lança o primeiro em Portugal em 2010; dependendo de como param as modas sou capaz de pensar nisso muito a sério). Pelo menos servirá enquanto a fusão nuclear não arranca (isso sim, era serviço! Limpo, seguro, 0% de risco, sem resíduos e praticamente inesgotável). Só que se estamos à espera da fusão nuclear o melhor é arranjar umas almofadas confortáveis para o nalguedo, precisamos de uma solução para o entretanto. Nota: por favor, não confundir centrais nucleares, expressão que se usa para designar centrais de fissão nuclear, com fusão nuclear; são processos totalmente opostos, a primeira tem riscos, embora baixos mas tem riscos e quando ocorrem acidentes têm consequências graves; a segunda é 100% limpa, 100% segura, se houver crise a reacção desliga-se por si. Recomenda-se uma leitura dos artigos relevantes na wikipedia.

Não me está a parecer que a instalação de uma central nuclear em Portugal vá ser pacífica, contudo. É cá um palpite que eu tenho, ainda me lembro do que se passou em Souselas. É que quando se fala em nuclear as pessoas pensam imediatamente em Hiroshima e Chernobyl. Bom, não lhes levo a mal, eu lembro-me do acidente de Chernobyl e houve receio, às primeiras notícias, que a contaminação radioactiva na Europa fosse mesmo extensa e pudesse causar malefícios à saude de todos os europeus. Mas se Hiroshima foi de propósito, e por isso não conta para atestar da segurança da energia nuclear (tou sempre a ver filmes em que explodem carros e não é por isso que deixo de andar de automóvel; e nunca vi um carro explodir depois de bater numa parede ou ravina), Chernobyl é a grande fonte de preocupação das populações. Claro que para que o acidente acontecesse (recomendo também a leitura dos artigos relevantes na wikipedia e fontes indicadas), foi necessário que: (a) a central fosse usada para um fim que não o projectado inicialmente, (b) tivessem sido desligados alguns sistemas de segurança, (c) outros que, por falta de manutenção, se desligaram sozinhos, (d) que alguém fizesse asneira da grossa e (e) que quem supervisionava o fulano que fez asneira estivesse ausente/de férias/doente/distraido. Efectivamente, para que haja um acidente nuclear é preciso uma grande combinação de coisas más a acontecer ao mesmo tempo. E desde que ninguém tenha a ideia parva de desligar sistemas de segurança só porque estão a apitar, nada de mau acontece. Há muitas centrais nucleares no mundo que nunca registaram qualquer tipo de problemas, acidentes tivémos 1, incidentes devem ter sido umas centenas (incidente = quando algo corre mal mas não tem consequências porque as medidas de segurança funcionaram).

Mas na minha opinião, o maior argumento pró-nuclear para combater o argumento anti-nuclear baseado no medo de acidentes é o seguinte: Espanha já tem. E se eles tiverem um acidente (longe vá o agoiro), Fodemo-nos à mesma (assim, com F grande). Tenha Portugal assumido a opção não-nuclear ou tenha 400 centrais instaladas no território. É que radiação nuclear não conhece fronteiras, que o digam as populações apanhadas na nuvem de Chernobyl. Ora, se já partilhamos os riscos das centrais espanholas, que tenhamos também o benefício da energia produzida! (e, além disso, qualquer central construída agora, por ser mais recente, é muito mais segura que as espanholas).

9 comentários:

Anónimo disse...

Devias ter feito a cadeira de energias do professor Collares Pereira enquanto estavas no curso, Nelson. O teu raciocinio está errado em montes de passos.

1) O consumo eléctrico nacional é apenas 1/3 do consumo energético nacional total. Uma central nuclear não resolveria isso.

2) O consumo eléctrico ao longo de um dia varia fortemente, e uma central nuclear não se pode ligar e desligar. Assim sendo, teria de ir ocupar a base do diagrama, onde estão as centrais a carvão e gás natural (Sines e amigos). Parece porreiro desligar isso do ponto de vista ambiental, não é? Pois, mas já fizeste as contas ao que isso custa? É um balúrdio incrível.

3) E se as fechasses e depois houvesse um problema qualquer com a central nuclear? Nem tinha de ser nada de sério, bastava uma cegonha e puff, ficava o país às escuras porque as outras centrais, que custaram um dinheirão a desligar, não podem ser ligadas de um momento para o outro.

4) Ah, deixamos umas ligadas. Depois o que fazemos à energia extra na base do diagrama? Exportamos? Para onde? Espanha e França já exportam energia para nós, e para Marrocos não dá muito jeito.

5) Estimula-se o consumo então, assim à Americana! Pois, ideia estúpida numa altura em que o que é preciso é exactamente o contrário.

6) Se cobrisses 1/3 da área construída em Portugal com painéis fotovoltaicos daqueles perfeitamente comuns, que até são um bocado rascos mas enfim, terias uma produção eléctrica mais do que suficiente para suprir o consumo eléctrico nacional (eu fiz as contas no outro dia para a tal cadeira, é quase 2 ordens de grandeza acima, a sério). Isto teria várias vantagens; é mais barato, produz-se em Portugal, instala-se em Portugal, não tem resíduos com tempos de vida média de 10 000 anos e a produção passava a estar junta ao consumo, além de que mal instalasses um painelzinho de treta já estavas a contribuir. Uma central semi-feita não contribui nada. Ah, e os painéis são dedutíveis nos impostos.

7) Já agora, conheces alguma maneira de gerir resíduos nucleares a longo prazo? É que se conheceres há muitos países que gostariam de ouvir.

8) Sabes o que é o peak oil? Pois, também há um peak U-235, e infelizmente, ou já passou ou estamos lá mesmo agora.

9) Pois, e um breeder reactor, daqueles que produzem Plutónio para armas nucleares? Esses usam U-238, que é 99% do urânio na natureza. Infelizmente, "Plutónio para armas nucleares" é mais Hiroshima do que penso que até tu gostes.

10) E, no meio disto tudo, uma central nuclear não é solução nenhuma a curto prazo. Representa um investimento descabido numa tecnologia antiquada e com um recurso ainda mais escasso do que o petróleo que demoraria alguns 30 anos a entrar em funcionamento pleno. Nesse período de tempo - e com esse dinheiro - poderíamos e *deveríamos* ter uma capacidade de produção solar e eólica mais do que suficiente para a central nuclear ser inútil.

Peço desculpa pelo comentário enorme, mas enfim. Isto é tudo informação pública. A DGGE (ou lá como se chamam agora, DGEG ou coisa do tipo) publica balanços energéticos anuais. O de 2007 saiu ainda há pouco tempo, podem ir lá ver estes números todos. O INE tem os dados sobre áreas implantadas, e os índices de produção solares e eólicos são todos fáceis de descobrir em milhentos sites. Procurem :P

adavid disse...

7) Já agora, conheces alguma maneira de gerir resíduos nucleares a longo prazo? É que se conheceres há muitos países que gostariam de ouvir.

Caixote, foguetão, espaço.
Ah... Espera lá. E a gasosa para o foguetão?

Restelo disse...

Por curiosidade, onde é que são as de Espanha?
Sei que França tem, tinha a ideia que Espanha não tinha... É que estas centrais precisam de água desmineralizada com elevado grau de pureza e por isso necessitam de resinas de permuta iónica especiais. Eu vendia RPI em Portugal mas o meu fornecedor vendia em França e Espanha e lembro-me de eles me dizerem que só França é que tinha. Além disso, como essas centrais não podem ser "desligadas" como as que temos em Portugal, compramos energia ao preço da uva mijona a França (o que custa mais é mesmo pagar pela "passagem" dessa corrente por Espanha). Por isso é que não tinha ideia de que Espanha tinha, mas isso agora já não digo nada... Mas posso dizer que a EDP tem prevista a construção de mais centrais em PT e pelo menos as que vão ser construídas primeiro (Lares, perto da Figueira) não iam ser nucleares.

Nelson disse...

Resposta ao Queiró:

1: os restantes 2/3 serão, portanto, os gastos energéticos decorrentes da utilização de meios de transporte rodoviários, ou pelo menos uma parte significativa. Sabendo que dentro de 2 anos começam a ser comercializados veículos eléctricos, a factura da electricidade aumenta e a da gasolina baixa.

2: desligar sines e afins será uma realidade quando os combustíveis fósseis custarem mais a comprar que o que deles ganhas em electricidade.

3: se as fechasses, o que não seria imediatamente, ficaríamos dependentes de uma central nuclear tal como agora estamos dependentes de 3 ou 4 centrais termoeléctricas. O problema da cegonha foi nas linhas de transporte, não nas centrais.

4: exportas se puderes, se não puderes mandas fora. qual é a alternativa? continuar a importar energia, continuar dependente de combustíveis fósseis e não ter plano de contingência quando os preços se tornarem incomportáveis?

5: nem me parece que eu tenha sugerido uma coisa dessas.

6: sim, e estás a falar da densidade média de paineis, é? Então, numa casa de rés-do-chão ou num prédio de 18 andares a percentagem de área a ocupar com paineis eléctricos é a mesma? curiosas contas.

7: não. Nem eu, nem ninguém.

8: sim, e nem eu defendo que a energia nuclear será uma solução a longo prazo. Espera-se que dentro de 40 ou 50 anos se consiga algo mais rentável. De qualquer maneira, se o peak oil aconteceu, como alguns dizem, nos anos 80 e ainda há petróleo para satisfazer a procura, acho que por 50 anos não temos com que nos preocupar.

9: nem me lembro de ter referido um tipo particular de central, mas tá bem, lá deves ter imaginado nalgum sítio.

10: sou um bocado céptico na capacidade de auto-suficiência energética da solar e eólica. Mas irei ver os números de 2007 e já direi algo mais sobre o assunto.


Restelo: sei que tem, acho que são duas, não sei onde. Quanto às novas centrais da EDP, serão obviamente não nucleares. Portugal adoptou a opção não-nuclear e até que isso mude o nuclear não está previsto. O que se discute é se a opção deve ser mantida assim ou se deve ser mudada.

Anónimo disse...

Eu apoio a solução nuclear mas apenas se for o Montgomery Burns a instalar uma central nuclear cá em Portugal.

Redus Maximus disse...

Isto está animado por aqui! Gosto de ouvir falar em energias alternativas. E concordo com o Queiró.
Nélson, se puderes passa pelo Revisão da Matéria. Gostava de ouvir a tua opinião sobre o que escrevi...sobre o mesmo tema!
Abraço

Ana disse...

Porque é que frequentar determinada cadeira de determinado curso é o determinante para se poder ter coerencia no raciocinio?...será que tudo o que um professor diz é lei?...
Enfim, não vejo falhas no raciocinio do Nelson. E subscrevo tudo. A energia nuclear, não estando no leque das renováveis, é a solução alternativa mais viável, neste momento, aos combustiveis fósseis. Claro que comporta riscos. Claro que tenho medo desses riscos. Mas tb tenho medo de andar atravessar uma estrada...e é mais provavel levar com um carro numa passadeira (ontem à noite quase que aconteceu, só não aconteceu pq saltei para trás) do que com um acidente nuclear em cima.
Desde Chernobyl que as coisas mudaram, em termos de segurança! um acidente daqueles é agora mais dificil de ocorrer. O que nâo quer dizer que não ocorra, claro. Mas as probabilidades são poucas. Além de que,passar a lidar com o nuclear poderia ser o empurrão necessario para o financiamento mensurável de pesquisas em torno da fusão nuclear.

Anónimo disse...

Espanha tem oito unidades em seis centrais (duas com dois reactores) em funcionamento (a mais próxima de Portugal em Almaraz -cerca de 100 km da fronteira portuguesa junto ao Tejo e usando águas da sua bacia hidrográfica para arrefecimento-)e uma encerrada.

http://www.minetur.gob.es/energia/nuclear/Centrales/Espana/Paginas/CentralesEspana.aspx

Anónimo disse...

Já agora o nuclear só será uma muito boa aposta se no futuro a fusão nuclear se revelar segura e economicamente viável pois o "combustível" material de fusão será hidrogénio (um pouco de água) e o resíduo hélio um gás inerte e não poluente... Actualmente isso ainda não está disponível, virá a estar? Talvez quem sabe...
O nuclear de fissão para além dos problemas éticos de segurança e poluição é simplesmente muito caro... existem modos mais baratos de obter a mesma quantidade de energia.Pelo que só traz vantagens às empresas de construção e exploração já que a factura da gestão dos resíduos e do desmantelamento depois cai sobre os contribuintes directa ou indirectamente.

Pedro L. L.