09 junho 2008

Despropósito

Sábado ganhámos contra a Turquia. Foi um bom jogo, a nossa equipa fez uma bela exibição e só não marcámos mais golos porque as balizas eram demasiado pequenas.

Jogámos bem, ganhámos 2-0 de forma perfeitamente merecida e ficámos contentes no fim do jogo. Mas... há limites.

Vi o jogo no Marquês de Pombal no ecrã gigante. No fim do jogo, saí satisfeito, como todos, e comecei a ver a malta a juntar-se em torno da estátua do Marquês. E depois comecei a ouvir buzinadelas e na altura em que chegava ao Saldanha já havia trânsito lento em direcção ao Marquês de Pombal para comemorar no bom estilo do euro 2004. As comemorações prolongaram-se bem mais de uma hora, com carros enfeitados com bandeiras, buzinadelas e pessoas de todas as idades a dar vivas à selecção.

E fiquei sem perceber se afinal este jogo era apenas a primeira jornada da fase de grupos ou algo mais importante. Ganhámos um jogo, ainda não nos apurámos para nada. Fazer uma boa fase de grupos é a obrigação da selecção, uma vitória são os serviços mínimos, o apuramento para os quartos de final é o resultado legitimamente esperado. Fazer uma festa como se há 12 anos não ganhássemos um jogo (como fizeram os alemães após ganhar 2-0 à Polónia, mas a sua última vitória num europeu tinha sido a final de 1996!) parece-me algo pindérico. Ganhámos à Turquia. Uma equipa sem os nomes sonantes que tem a nossa, sem os resultados recentes que tem a nossa (excepção feita ao 3º lugar no mundial de 2002, mas já lá vão 6 anos, era outra equipa), sem o frenesim mediático que rodeia a nossa. Se tivéssemos ganho a um dos nossos fantasmas habituais, França, Itália ou Grécia, ainda se percebia. Mas... comemorar a vitória na primeira jornada tendo no palmarés o título de vice-campeão europeu e o 4º lugar no mundial? Não parece algo exagerado? Do vice-campeão espera-se uma forte candidatura ao título, não se espera festa rija por ganhar um jogo.

Eu sou 100% a favor das comemorações de rua. Quando há algo a comemorar. Quando passarmos aos quartos de final a comemoração justifica-se. Com alguma moderação, afinal desde 1996 que chegamos aos quartos de final, pelo menos. O apuramento para as meias finais justifica uma festa maior. A passagem à final merece uma festa de arromba e o título europeu justifica uma bebedeira colectiva de tal ordem que a segunda feira seguinte seja feriado. Ganhar um jogo que em si não qualifica para nada, só merece comemoração se as vitórias forem uma coisa tão rara que se torna necessário aproveitá-las todas. Que o Liechtenstein comemore um empate contra Portugal eu percebo. Que a Grécia tenha comemorado a vitória contra nós no jogo de abertura em 2004 também (foi a sua primeira vitória em europeus ou mundiais); que os alemães tenham comemorado uma vitória pela qual esperaram 12 anos, tudo bem. Se a Polónia tivesse ganho ontem haveria festa de arromba em Varsóvia e Cracóvia, é a primeira presença num europeu e logo contra a Alemanha, o eterno fantasma dos polacos. Mas não me parece que os checos tenham comemorado a vitória sofrida contra os suiços ou que os croatas tenham comemorado nas ruas a vitória contra a Áustria, a equipa teoricamente mais fraca do europeu.

E se os adeptos do Porto, Benfica ou Sporting, em vez de sair à rua para comemorar títulos saíssem à rua a comemorar todas as vitórias? Mesmo as vitórias na Taça contra equipas de II divisão? Ou, usando um paralelo mais justo, que saíssem à rua a comemorar as vitórias nos jogos da fase de grupos da Champions ou na Taça UEFA?

Ganhar à Turquia não é surpreendente. Não é excepcional. Nem sequer é invulgar, há 50 anos que não perdemos contra eles. Se tivéssemos perdido haveríamos de ouvir os ecos do divórcio entre o povo e a selecção bem altos. Somos quartos mundiais e segundos europeus. Ganhar o primeiro jogo é importante, a capacidade de cada equipa é sempre imprevisível. Que buzine quem passa por onde estão os espectadores que viram o jogo no ecrã gigante, é razoável. Pelo que vi parece-me que muita gente saiu à rua de propósito para o poder fazer. E com os combustíveis ao preço a que estão... é despropositado.

1 comentário:

Ana disse...

OH páh, deixa o povinho aproveitar tudo o que vem à rede para comemorar a vida...é que, como a selecção venceu essa jogatina, os problemas que nos têm assolado desapareceram!...

Agora a sério, na verdade, o povo está desesperado por ter quem admirar. Nos dias de hoje, os heróis são os futebolistas e as selecções...à falta de melhor...