23 maio 2008

Contra (?) o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - Parte II

Parte II - Acordos Ortográficos em geral: o caso das outras línguas

Uma coisa que tenho ouvido é que isto de haver acordos ortográficos é exclusivo ou quase exclusivo do português. Sem desprimor pelas ilustres e literadas (cuidado com a forma como se lê, não quero que se leia "ilustres iletradas") pessoas das academias responsáveis por este acordo, duvido que tenham sido originais ao ponto de inventar algo nunca antes feito ou imaginado por outros seres humanos. Olhando para a normal evolução das várias línguas e lendo textos antigos facilmente se percebe que não podemos ser os únicos a fazer evoluir a ortografia.

Capítulo 1: O inglês

É frequentemente utilizado o exemplo do inglês como sendo uma língua cuja ortografia não se altera mediante acordos ortográficos e que isso não impede a língua inglesa de ser a mais universal. A afirmação até é mais ou menos correcta, mas não sei até que ponto isso é uma virtude da língua inglesa.

O inglês escrito está estabelecido há vários séculos, com a excepção das alterações introduzidas no século XVIII cujo objectivo era precisamente distanciá-lo do inglês de Inglaterra (coisas de colónia recém-indepentente) e mais umas quantas palavras de evolução distinta entre Inglaterra e EUA.

Pronto, até aqui tudo bem, mas eu pergunto: Como se lê "ou" em inglês? Lê-se como em Loud, Could, Famous, Journey, You, Flour ou Tour? Segundo a wikipedia, que inclui o registo fonético de cada um destes sons, são pelo menos 7 pronúncias diferentes.

E "au"? Como em Augment, ou como em Daughter?

E que tal "ough"? Esta então tem pelo menos 10 pronúncias distintas, 6 das quais hilariantemente retratadas na frase "Though the tough cough and hiccough plough him through".

De facto a ausência de revisões ortográficas que aproxime o inglês escrito do inglês falado ao fim de tantos séculos deu resultados surpreendentes.

Sobre o mérito ou demérito desta forma de escrever, cada um que decida por si, não quero convencer ninguém.

Capítulo 2: o francês

Parecendo uma língua totalmente estática a verdade é que o francês também tem, volta e meia, umas revisões e afinações à sua ortografia. O francês costuma ser apontado como o paradigma da língua que não evolui, pelo menos na forma escrita, mas será tanto assim?

Após algumas revisões ortográficas ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, chegamos ao século XX e temos algumas sugestões de revisões que foram mais ou menos ignoradas, mas a partir dos anos 70 houve pressões no sentido de modernizar a língua e assim chegamos à reforma de 1990 (o mesmo ano que o nosso famigerado acordo!).

Nesta revisão cerca de 2000 palavras são alteradas (mais ou menos o mesmo número que no nosso acordo) e apesar das resistências iniciais são cada vez mais as publicações a aderir às novas regras. E ao que parece os franceses não ficaram a saber escrever nem melhor, nem pior.

Capítulo 3: o alemão

Também o alemão teve várias revisões ortográficas, desde o início. Em 1902 uma ortografia foi estabelecida, mas em 1944 havia planos para a reformar. Os planos cairam por terra devido à guerra cujo fim estava iminente. No pós-guerra há dois principais centros de autoridade no que diz respeito à grafia alemã. E houve alguns atritos que obrigaram o governo federal (lembrem-se que a Alemanha estava dividida em 2) a decretar qual a grafia oficial.

Actualmente há uma revisão em vigor, apenas obrigatória na escola, que data de 1996. Inclui coisas giras como repetições de 3 consoantes iguais. Por exemplo, Schlossstraße.

Capítulo 4: outras línguas

Como qualquer língua o holandês também evoluiu muito e teve várias revisões ortográficas. No século XX teve 3: 1934, 1946/47 e 1996 e em 2006 teve outra. Todas estas revisões têm como objectivo unificar a grafia flamenga (Bélgica) com a grafia holandesa.

O norueguês, inicialmente derivado do dinamarquês, possui actualmente duas grafias distintas, o Bokmal e o Nynorsk, e vários esforços têm sido feitos no sentido de as unificar. Mais controvérsia, menos controvérsia, a tentativa continua.

E o que dizer do turco, que no início do século XX não se limitou a mudar a ortografia, mudou o alfabeto?!!!

Já o japonês também teve uma reforma séria, eliminando muitos símbolos que não tinham relevância fonética.

E outras línguas têm feito evoluções sucessivas da sua grafia, pelas mais variadas razões: indonésio, russo, grego, etc...


Referências:

Revisões ortográficas na Wikipedia e referências dentro deste artigo.

2 comentários:

Ana disse...

tu esmeras-te, home, não queres ir ao prós e contras?? podias substituir a vocalista, perdão, locutora

Teté disse...

Olha, concordo inteiramente contigo!

Tanta chinfrineira por causa de umas regras gramaticais de ortografia, tudo a encher a boca com a nossa Língua, com discursos demagógicos (não sei se xenófobos), que a alterar a grafia devia permanecer a portuguesa?

Li, não me perguntes onde, que quando surgiu um novo acordo, na época de Fernando Pessoa, este aceitou na boa as novas regras, mas fez uma excepção: "vou continuar a escrever cysne com y, porque me parece condizer mais com a elegância da ave"... :)

Olha, já não posso mais ouvir falar em "novo" acordo. Caraças, a discussão tem 18 anos... Já chega!!!