21 maio 2008

Contra (?) o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - Parte I

Nota prévia: este post não está escrito segundo a norma do acordo ortográfico de 1990. Tal facto não está relacionado com a minha posição pessoal em relação ao acordo. Simplesmente não conheço ainda a totalidade dos casos em que a ortografia é alterada e por essa razão escrevo como sempre soube escrever, evitando armar-se em esperto e escrever bacoradas desnecessárias.

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Vem aí o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Em bom rigor, convém dizer que vem aí mais um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, já que não é o primeiro.

Parte 1 - (Um resumo da) História dos Acordos Ortográficos da Língua Portuguesa

Capítulo 1: 1911-1930

Em 1911 entrou em vigor em Portugal uma norma ortográfica em que foi instituida uma grafia simplificada de muitas palavras. Também o alfabeto foi alterado, desaparecendo o k e y, passando a ter então 23 letras.

Entre as alterações, salientam-se:
Portuguez passou a Português
Lyra passou a Lira
Pharmácia passou a Farmácia.
Caravella passou a Caravela
Diccionário passou a Dicionário
Prompto passou a Pronto

(Hmmm... desapareceu um P antes de um T em 1911 porque era mudo em todas as pronúncias da língua? Óptimo, óptimo! E o C mudo que foi eliminado decerto conferiu actualidade à palavra dicionário...)

A este propósito, escreveu Alexandre Fontes no livro "A Questão Orthographica", Lisboa, 1910): "Imaginem esta palavra phase, escripta assim: fase. Não nos parece uma palavra, parece-nos um esqueleto (...) Affligimo-nos extraordinariamente, quando pensamos que haveriamos de ser obrigados a escrever assim!" (grafia original do autor); in Wikipedia.

O Brasil não adoptou esta norma e começaram as grandes divergências entre a norma portuguesa e a norma brasileira. As divergências que agora tentamos anular foram efectivamente criadas pela reforma ortográfica de 1911, consequência da Implantação da República.

Capítulo 2: 1931-1970

Cientes da problemática levantada pela existência de duas grafias, a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras tentaram unificar a grafia (para corrigir a merda que NÓS fizemos!) mediante a assinatura de um Acordo Ortográfico em 1931. Foram publicados dois vocabulários, em Portugal em 1940 e no Brasil em 1943 que ainda continham divergências e isso deu origem a um novo acordo ortográfico, em 1945. O Brasil não ratificou este acordo, mantendo-se vigente a norma de 1943. Nos restantes países tornou-se lei.

O vocabulário brasileiro de 1943 continha, por exemplo, a eliminação do H interior das palavras, excepto quando há composição por intermédio de um hífen e a segunda parte da palavra começa por h. Por exemplo, mantém-se o h em contra-harmonia ou sobre-humano mas desaparece em cohabitar, bihebdomadário ou exhausto, passando respectivamente a coabitar, biebdomadário ou exausto.

O acordo de 1945 incluia alterações como a regularização do emprego das consoantes c e p nas sequências cc, cç, ct, pc, pç e pt:
- Eliminam-se nos casos em que a consoante é invariavelmente muda na pronúncia dos dois países;
- Conservam-se nos casos em que são pronunciadas num dos dois países ou em parte de um deles;
- Conservam-se após as vogais a, e e o, nos casos em que não é invariável a sua pronúncia e ocorrem em seu favor outras razões, como a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas e a possibilidade de, num dos dois países, exercerem influência no timbre das vogais anteriores;

Capítulo 3: 1970-1990

Novo entendimento surgiu nos anos 70 e tornou-se efectivo em Portugal em 1971 e no Brasil em 1973. Nomeadamente foram eliminadas as diferenças ao nível da acentuação gráfica. Por exemplo:
sòmente passou a somente
sòzinho passou a sozinho

Em 1975 e depois em 1986 foram tentados novos acordos que eliminassem as restantes divergências, o que não foi possível.

E assim chegamos ao acordo ortográfico de 1990.

Como o post já vai longo, as minhas notas sobre o Acordo Ortográfico de 1990 ficam para o próximo post, amanhã ou depois.

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Referências recomendadas:

1. Artigo da Wikipedia sobre o acordo ortográfico de 1990

2. Formulário Ortográfico em vigor no Brasil, de 1943 (no site de uma empresa de tradução canadiana, especializada na norma brasileira do português)

3. O acordo ortográfico de 1945 no Portal da Língua Portuguesa

4. FAQ sobre o Acordo Ortográfico no site do Público

5. História da Ortografia do Português, na Wikipedia

6. Alterações ao vocabulário ortográfico brasileiro aprovadas em 1971

2 comentários:

Anónimo disse...

Que eu saiba para o Inglês, não existe nenhum acordo ortográfico e não deixa de ser a Língua Franca do mundo. Mesmo com as naturais diferenças entre o Inglês falado nos EUA e no Reino Unido.
Têm sim uma convergência académica, através da circulação de investigadores e investigação entre os dois lados do Atlântico que acaba por ter um efeito (e bem na minha opinião) harmonizador).
Pelo menos, no pouco que li nas Ciências Sociais por exemplo, Gestão(administração no Brasil)Economia e Sociologia as diferenças são brutais. Calculo que nas ciências mais "duras" esteja melhor, senão...
Escrever randomico em lugar de aleatório?
Rifle em vez de espingarda?
O Acordo Ortográfico para mim é desnecessário.
Vejo sim a necessidade de um "apêndice" que ficou para as calendas que é um dicionário/glossário técnico científico isso sim é prioritário.

Nelson disse...

sobre os acordos ou inexistência deles noutras línguas, lê os próximos capítulos.

em relação às terminologias técnicas, se há diferenças e sim, são enormes, é porque as respectivas comunidades científicas nunca desenvolveram o bom hábito de decidir os nomes em conjunto. Randômico vs. aleatório e espingarda vs. rifle não são questões tratadas pelo acordo ortográfico. O acordo ortográfico trata apenas da ortografia das palavras e não do seu significado.

Mas também sobre o que está em causa no acordo de 1990, lê os próximos capítulos. Este capítulo versa apenas sobre a história dos acordos ortográficos e alterações ortográficas dum e doutro lado do Atlântico.