Em 1995 um primeiro-ministro que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, decretava o aumento das portagens na Ponte 25 de Abril de 100 para 150 paus. A notícia foi (naturalmente) mal recebida e tivémos o famoso buzinão, o bloqueio da ponte por um grupo de camionistas (liderado pelos irmãos Pinto), manifestações, corpo de intervenção a disparar balas de borracha sobre os manifestantes e até um concerto do Pedro Abrunhosa a cantar "Talvez Foder" e dando origem ao termo "geração rasca". O povo saiu à rua numa onda de intervenção pública nunca antes vista depois do 25 de Abril (excepto quando o Benfica ganha o campeonato).
10 anos depois, estamos em 2005. Os irmãos Pinto, líderes do movimento de camionistas que bloqueou a ponte 25 de Abril foram hoje condenados por tráfico de drogas.
Ora bem, isto é muito grave! Das duas uma:
- Ou o tráfico de drogas vive em tais dificuldades que as parcas margens de lucro não dão sequer para pagar o aumento da portagem em 50 paus
- Ou temos um povo que só se mexe quando é liderado por criminosos!
Se se trata da primeira opção, defendo de imediato intervenção governamental ou da União Europeia, sob a forma de subsídios, para ajudar um sector económico em dificuldades. Se se trata da segunda, então, defendo que apenas pessoas a braços com a justiça sejam aceites como candidatos a cargos públicos! A julgar pelas listas de candidatos a estas eleições autárquicas, acho que estamos a caminhar para a segunda opção.
3 comentários:
QUANDO, nos idos de 1966, o Dr. Salazar decidiu aplicar portagens na Ponte a que deu o seu nome, logo percebeu que tinha de arranjar um bom motivo para cobrar entre €2,50 e €75 (a preços de hoje) aos utentes, sob pena de arriscar uma revolta civil.Escreveu, no Decreto que mandou instaurar o regime das portagens, o óbvio: que estas se destinavam a pagar a sua construção, manutenção e exploração. Mas, com a premonição daquilo que o Dr. Pacheco Pereira identificaria 30 anos mais tarde, num jornal, como uma revolta do proletariado, juntou-lhe mais uma justificação: seria prestado um serviço de reboques, «à borla», para os carros avariados no tabuleiro. Sabia ele muito bem ao que andava: era preciso, para justificar tão altos valores, que se insinuasse na opinião pública a noção de que a Ponte era um serviço público e que, por isso, as pessoas pagavam, para lá da construção e manutenção, um «serviço». Siderados com a imponência da Ponte, os utentes não reagiram e lá foram pagando, convencidos que contribuíam para reduzir a dívida que a sua construção tinha causado, que subsidiavam a respectiva manutenção e que, de caminho, beneficiavam de um serviço, prestado pelo Estado. Presumiram, além disso, que cada portagem paga reduzia a dívida da construção e que, por isso, algum dia haveria de ser reduzido o seu valor, destinado então a pagar, apenas, a manutenção e o «serviço». Sábio, o dr. Salazar foi-lhes dando razão implícita: nunca aumentou as portagens que valiam, em 1981, data do primeiro aumento, e a preços de hoje, entre €0,75 e €4.25, quase 12 vezes menos do que em 1966. Entretanto, a margem sul do Tejo desenvolveu-se, o tráfego aumentou, a velocidade de atravessamento da Ponte foi-se reduzindo e, todavia, quase 40 anos depois, as portagens lá continuam, e as pessoas, que pressentem - e com razão - que o custo de construção já foi pago, deram por si a tentar identificar o «serviço».A resposta do dr. Salazar já se esgotou: ninguém consegue, com cara séria, dizer que se paga portagem porque se dispõe de reboque «à borla» e também já ninguém pode dizer que as portagens pagam a manutenção da infra-estrutura. É que, entretanto, o Estado negociou a concessão da Ponte com privados e fez, quanto à sua manutenção, este negócio: a responsabilidade pela execução e pagamento da manutenção é do Estado, contribuindo a concessionária com umas centenas de milhares de contos por ano para essa actividade. Como é público que o valor cobrado em portagens é muito maior do que aquele que a Lusoponte entrega ao Estado para manutenção da Ponte 25 de Abril, é claro que as portagens hoje cobradas não se destinam a pagar a sua manutenção. A alternativa, seguindo a boa tradição portuguesa de não encarar os problemas de frente e fugir às maçadas que isso acarreta, foi adoptada de coração aberto por todos os actores da vida pública, Governos, associações de consumidores, políticos, autarcas e outros, que alimentaram e alimentam o embuste público de que o «serviço» é, afinal, o direito de atravessar o Tejo, de carro, num espaço de tempo considerado razoável. Fizeram-no, aliás, juntando-lhe invenções sublimes, como em 1981, quando se isentou de portagem os atravessamentos da Ponte nos domingos de Julho e Agosto com a justificação fantástica de que «o não pagamento da portagem (...) irá facilitar o acesso à margem sul da população que (...), principalmente naqueles meses e dias do ano, procura as praias situadas naquela zona» (preâmbulo do D.L. 117/81, de 15 de Maio).Tempo e circo, numa variação grotesca do brocado latino. Glória da imaginação e da perfídia, o tempo passou a ser um «serviço», e prestado pelo Estado! O círculo da mentira colectiva, lançado pelo Dr. Salazar - que de revoltas civis sabia tudo - fechou-se. Teve e tem, como todas as esquizofrenias colectivas, consequências dramáticas. Fez cair em desgraça um Governo quando pretendeu aumentar as portagens, porque o tempo de atravessamento era já percebido como excessivo. Fez um outro Governo optar por pagar indemnizações de milhões à Lusoponte em vez de actualizar as taxas, não fosse a temida revolta popular acabar mal para ele próprio. Faz com que, sempre que há obras demoradas na Ponte, que afectam a fluidez do trânsito, surjam reivindicações de suspensão do pagamento.
Pior, fez alastrar a convicção de que todas as portagens se relacionam, principalmente, com a razoabilidade do tempo de circulação. Suprema consolação do Dr. Salazar, mascarou a discussão de fundo sobre a correcção da opção de financiamento do atravessamento do rio Tejo, que ele tomou e todos os Governos da democracia sufragaram, sob o manto diáfano do esmiuçar das circunstâncias em que a cobrança deve ser suspensa. Alimentada a discussão sobre o acessório, multiplicam-se os debates sobre se é justa a indignação popular que surge, cíclica, quando, como é o caso desde Abril deste ano, há obras na ponte que afectam a fluidez do trânsito. Nesses muitos debates, não parece ocorrer aos intervenientes que a suspensão da cobrança teria o notável efeito de fazer suportar por todos - mesmo os que não passam na Ponte - o incómodo do lento atravessamento por aqueles que, todavia (!), a atravessam, traduzido no valor da indemnização a pagar à Lusoponte. Inquietos, os Governos olham os movimentos sociais que se vão formando na margem sul, receosos de outro «buzinão» mas dolorosamente conscientes do custo mensal da suspensão da cobrança. E, no entanto, só se podem culpar a si próprios. A opção, note-se, é colectivamente nossa: aceite como boa a falsidade sobre o fundamento do pagamento da portagem, não nos resta outra coisa senão discutir a partir de que tempo de fila não se deve pagar portagem. A verdade, porém, é outra. Taxar a utilização de um bem do domínio público, como a Ponte 25 de Abril, é uma decisão exclusivamente política que respeita à forma de financiamento do custo da infra-estrutura, decisão essa que, regra geral, só tem duas alternativas: aumentam-se os impostos ou taxa-se o uso. Entendamo-nos: no caso da portagem da Ponte 25 de Abril, a infra-estrutura cujo custo de construção está a ser financiado já nem é, sequer, essa ponte, mas antes a outra, a Vasco da Gama. Assim se pudesse, com igual serenidade, debater a razoabilidade da existência de portagens nas duas travessias do Tejo em Lisboa.
Perdão, esqueci-me de assinar o texto acima.
Jaime Pinto
xiiiii.... detesto comentários maiores que o post que comentam.
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