20 janeiro 2009

Average

Eu nem ia dizer nada, porque quando li a notícia achei que toda a gente concluiria o mesmo que eu. Mas... não!

O Belenenses ficou de fora das meias-finais da Taça da Liga e tentou impugnar o sorteio, alegando que, à luz dos regulamentos, passa a equipa com melhor "goal average", sendo que o Belenenses tem melhor goal average que o Guimarães.

E toda a comunicação social passou o dia (excepto durante as transmissões em directo da tomada de posse do Barack Obama) a referir o "erro nos regulamentos" da Taça da Liga!

Bom, vamos lá por partes... Goal average, definido como quociente entre golos marcados e sofridos, era um critério de desempate usado nos confins do tempo.

À luz desta maravilhosa definição, uma equipa que ganhe 1-0 tem melhor goal average que uma outra que ganhe 100-1, porque 100/1=100 e 1/0 é infinito.

O goal average foi substituido em meados dos anos 70 pela diferença entre golos marcados e sofridos, um critério muito mais justo.

Ora agora o Belenenses, com 2 golos marcados contra 1 sofrido, alega que tem melhor goal average que o Guimarães com 3 golos marcados contra 2 sofridos. O que até é verdade, à luz de uma definição caduca e em desuso há quase 40 anos.

Até na wikipedia, se procurarem por goal average, vão parar a um artigo que se intitula goal difference.

Basicamente o critério mudou, porque não fazia sentido mantê-lo. Contudo, desde sempre que em Portugal se usa a expressão goal average como o critério de desempate do futebol, apesar de, em rigor, esse critério ter sido eliminado do futebol nos anos 70. Nem é caso único uma expressão de uma língua estrangeira ser adoptada com um significado diferente do original. Querem um exemplo? Ciao, quer dizer "olá" ou "adeus" em italiano, mas é usada frequentemente em português somente como "adeus".

Mas, para os juristas que defendem o Belenenses, faz todo o sentido, porque é a única definição que lhes permite justificar a sua pretensão.

A propósito... average traduz-se para média que, não sendo especificado mais nada, é a média aritmética. Ou seja, a soma dos dados a dividir pelo número de eventos. A expressão goal average é bastante infeliz porque não representa nenhuma média, mas sim uma diferença. É comum dizer-se agora diferença de golos ou goal difference, em vez de goal average. A expressão faz sentido em competições em que as várias equipas jogam um número diferente de jogos, por exemplo. Toma-se a diferença entre golos marcados e sofridos e divide-se pelo número de jogos.

Já o quociente entre golos marcados e sofridos é tudo menos uma média. É o resultado de uma divisão, ou seja um quociente ou uma razão.

Bem sei que os juristas têm fraca (ou mesmo nula) formação em matemática. Seguiram humanidades no liceu e depois direito na faculdade. Mas uma vez que quociente é um conceito ensinado no primeiro ciclo, escolaridade obrigatória desde os tempos da primeira república, razão é um conceito ensinado na matemática do 2º ciclo, escolaridade obrigatória desde os anos 80 e média é um conceito ensinado, quer na matemática, quer nos métodos quantitativos, e portanto ensinada a todos os alunos que completem o ensino secundário desde meados dos anos 90, é de estranhar que um jurista consiga argumentar, mesmo sendo pago para isso, que uma razão, quociente ou divisão se possa confundir com uma média.

O desconhecimento da lei não pode ser invocado como justificação para o seu incumprimento. A frequência de cursos de humanidades não pode igualmente ser invocada como justificação para uma profunda ignorância da matemática.

1 comentário:

Ana disse...

Claro que pode ser invocada (em relação ao teu ultimo parágrafo)!! tanto, que foi!! quer dizer, não directamente...indirectamente, foi! porque, só pode ter sido!

Logicamente que se a situação fosse inversa, e o goal average caducado desse razão ao guimaraes e este viesse bradar injustiça aos céus, os juristas do belenenses decerto que, de repente, teriam um doutoramento honoris causa em matemática...

Ora bolas, então e nada de obama aqui??